Fui assistir ao filme brasileiro “Cheiro do Ralo”. Vencedor de prêmios, sucesso de crítica e recomendado por vários amigos, o filme foi exibido, pelo preço de um real, em sessão especial, tarde da noite de uma segunda-feira. O preço simbólico fez a sua parte. A sala ficou cheia.
Pude perceber que todos saíram sorrindo, mas incomodados, no final. O filme é repleto de humor ácido e obscuro. Não quero resenhar. Mas “Cheiro do ralo” é um filme sobre o mau-cheiro. Fez-me refletir sobre alguns aspectos da relação entre o povo brasileiro e a política. Evidentemente, o espectador discordará de mim. Como um livro, cada filme também possui seu próprio destino. O destino que eu dei ao filme pode se resumir em uma única cena − para mim, o ponto forte do drama. Talvez, após assistir diversas vezes, minha opinião mude. No entanto − e sinto enorme desprazer por isso − devo narrar, mesmo que insuficientemente, esta pequena cena.
O personagem principal (Selton Mello) trabalha em uma sala ampla onde, em seus fundos, encontra-se um asqueroso banheiro. Deste lugar, devido a um ralo problemático, um terrível cheiro de merda se prolifera e chega até a sala de trabalho. O personagem não se incomoda com o cheiro. Na verdade, o que o incomoda é o fato de as pessoas pensarem que o mau-cheiro vem dele (e não do ralo do banheiro). Assim, aos clientes que entram em sua sala, ele logo avisa:
“O mau-cheiro que você está sentindo vem o banheiro ali dos fundos. Estou tendo problemas com o ralo...”. Contudo, após ouvir a explicação sobre o mau-cheiro, um dos clientes diz:
“O mau-cheiro vem de você!”.
O protagonista nega. Então o cliente pergunta:
“Existe outra pessoa que utiliza o banheiro além de você?”.
Novamente a resposta é negativa. Por fim, o cliente diz:
“Se você é o único a utilizar o banheiro e ele fede, então o cheiro não vem do ralo. Vem de você”.
Como disse, a cena é extremamente rica. Faz-me refletir sobre nós, brasileiros, e a forma como lidamos com a política.
Quando um presidente da república diz que “não sabe de nada” sobre os escândalos de seus antigos amigos, ministros e assessores, nós entendemos: “o mau-cheiro não vem de mim. Vem deles!”. Quando são descobertos crimes de alguns deputados e senadores que, por sua vez, não são punidos, os demais parlamentares e senadores insistem: “o mau-cheiro não vem da gente. Vem deles!”. Paro e questiono:
Quem escolheu os ministros e assessores?
A resposta: o presidente da república, responsável direto.
Quem tem o dever de cuidar das instituições nacionais, como Congresso e Senado?
A resposta: deputados e senadores, responsáveis diretos.
Quem elege todos eles, presidentes, deputados e senadores? Quem é responsável por fiscaliza, protestar, reivindicar, lutar?
A resposta: nós, os eleitores, responsáveis diretos.
Se ainda assim, conscientes de todos os nossos deveres e direitos democráticos, ainda há mau-cheiro no ralo, então eu digo: o mau-cheiro não vem do ralo. Vem da gente.
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