quinta-feira, 19 de julho de 2007

Turundumdum aéreo

Nenhum bom cronista perderá a chance de falar do acidente aéreo. Embora eu não seja cronista, muito menos um bom cronista, também não perderei esta oportunidade. Mas minha reflexão não se atem ao acidente em si. O que me espanta é a forma como a imprensa trata o acidente. E como as coisas soam um pouco absurdas..

Antes mesmo da segunda chama se acender, os helicópteros das emissoras de TV já brigavam por uma imagem aterrorizante. Antes mesmo dos helicópteros se encaminharem ao local do acidente, as pessoas que por lá estavam já acionavam seus celulares-câmeras em busca de uma imagem chocante. E as que não estavam por lá, para fotografar e ver o horror, invejavam as que tiveram este “privilégio”.


A vida está tão sem graça assim para precisarmos nos divertir com a desgraça? A imprensa só busca relatar tragédias porque é o que dá ibope, pois é o que o povo quer. Somos, então, um bando de hipócritas por falarmos que queremos paz, que desejamos o bem ao próximo, ou qualquer coisa do tipo, enquanto o que procuramos mesmo são imagens de guerra, filmes de guerra, notícias de terrorismo, notícias de tragédias...


A questão aérea também merece umas palavras. Parece haver algumas coisas erradas. Primeiro, a pista estava em reforma para tornar-se menos escorregadia, porém os pilotos continuam reclamando dos escorregões.. Ao que tudo indica, o airbus já apresentara dificuldades para frear, mas o manual diz que, mesmo depois de apresentada tal falha, o avião pode permanecer em atividade por dez dias!! Que loucura é esta? Se um carro de Fórmula 1 está sem freio, pode continuar em atividade? Se sua bicicleta está sem freio, você continua correndo!? Parece um pouco insano, absurdo! O manual do avião deve dizer: “Pode continuar em atividade por dez dias e, se não matar ninguém, deve ser consertado.”


Isso tudo pode parecer normal, mas não é nada normal, é um grande absurdo! Mas, atualmente, o absurdo se tornou normal; este é um grande problema da humanidade: encarar com normalidade o absurdo. E nesta onda, brincar com números tornou-se uma diversão. Os jornais noticiaram “O Maior Acidente Aéreo Da História Da Aviação Brasileira” com o mesmo gosto, o mesmo sabor, o mesmo clima, no mesmo sentido que se noticia que o Thiago Pereira bateu hoje o recorde do Xuxa, e se tornou o brasileiro com melhor desempenho em um pan-americano. C'est-à-dire, noticia-se um recorde! Qual será o próximo? Que o Brasil lute para bater mais um recorde na aviação! Qual o maior acidente aéreo no mundo? Esta é agora a nossa meta! Ou da imprensa brasileira.. Vamos superar todos os limites, independente de qual seja a implicação disso.


E assim é a nossa sociedade de números e espetáculo. Brincamos com números e esquecemos que por detrás existe vida. Como exemplos, temos o desemprego, a fome, a miséria, as mortes no trânsito, as crianças desnutridas, as crianças sem escola.. Para os policy-makers e para a imprensa não passa de número o que antes foi uma vida.


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