sábado, 29 de março de 2008

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O post de hoje talvez seja o meu melhor. Ele vem para consertar uma falha terrível que nos perseguia. Acontece que criamos, ali ao lado, bem à sua direita, um pequeno espaço para divulgar o blog de alguns amigos de letras. Iniciei, pois, com dois blogs de poetisas fantásticas (a Priscila, do "Cinco Espinhos", e a Cecília, do "Jazz e Suco de Limão"). Só espero que vocês (se houver alguém) continuem a nos visitar depois de conhecê-las.


Boa viagem!

domingo, 16 de março de 2008

Fumegante para quem espera o trem - das propriedades "somáticas" do café*



[Sobre a escrivinhação abaixo:
Acabei de voltar do Roda viva**. Comecei a escrever esta "peça" aqui há quase um mês. Depois, como de costume, larguei. Mas ter ouvido em uma mesa de bar juntas algumas músicas me fizeram ter vontade de enfrentá-la de novo.
Na verdade, não está pronta. Está postada aqui, para que eu possa declarar a minha felicidade quando receber pitacos dos adoráveis desocupados que (amo vocês, seres desconhecidos!) visitam o sítio dos Arautos.]




Personalidades sem vícios são desinteressantes...

...

Com os muitos rodeios que se seguem, explico:

Começo por uma descrição aparentemente sem sentido. Uma vida qualquer, às vezes morna, quase sempre cansativa. Não digo que seja uma vida infeliz, apenas comum. Genérica!, essa é a palavra.

Daquelas que bate cartão às oito da manhã. E isso só porque acordou às seis, corajosamente disse não aos travesseiros, e se entregou à chatice irritante do despertador. Poderia ser, talvez, uma vida de Pedro Pedreiro, com seus sonhos em uma máquina de ferro – que pela probabilidade, está mais para sim que não venha mesmo.

Ou pode ser daquelas que não sai às seis. Pode ser que acorde antes, e vá acordar o seu homem. Ela o sacode, para que andem suas pernas rumo a labuta do mundo de fora. Mas e o mundo de dentro, como fica? Uma casa por arrumar? Serviços domésticos são estafantemente chatos! E quem se sente gente só de viver deles?

Besteiras, contra argumentariam uns, e acredito que em maior parte, umas. Ela discorda porque sente a realidade dos filhos. Do bebê que em um mês dá os contornos de seus primeiros sorrisos. Da menininha nova que adora babados cor de rosa. É verdade. Mas mesmo essa mulher há de ter suas angústias. Elas vêm na forma imaginária do trem em que ela mesma poderia ter ido viajar, mas não foi, porque se fosse, antes, os filhos não teriam sido.

Agora deixemos para lá esse lado doméstico, que não mais é opção única de conduta. Os que fazem samba e amor até mais tarde. Noites quentes de cantoria, calor humano de corpos, e o chacoalhar da música, que esse, havendo qualquer coisa sensibilidade, esquenta a qualquer um. Vida boa a boemia, não deve ser? Mas junto dela vem a solidão dos acordes silenciados quando a festa se fez passado. Vem o vazio de despertar debaixo de um cobertor só. A preguiça de quem talvez vá olhar a um futuro e dele só possa dizer a presente frase “tenho muito sono de manhã”. E quem é que nunca se sentiu assim?

E há também os que desse vazio concluam que não possam viver só. Vão é cantar em voz chorosa que falta um pedaço. Em uma canção, talvez como uma lua minguando. Em outra, talvez, como quem vê parte de si arrancada, como verdadeiro ultraje a própria natureza mística do seu sentir. Afinal, saudades às vezes é tortura doce, como arrumar o quarto de um filho que já morreu.

E tantos outros retratos aqui poderiam ser postos! Que me angustia pensar em quão poucos deles estou “enumerando”, como se relatar os termos de uma canção fosse um simples ato de fazer citações. De fato, muitas outras melodias embalariam o cotidiano nessas notas. E muitas tantas outras talvez trouxessem alguma coisa de felicidade.

Verdade é que nem todo o mundo canta sambas. E nem todo o mundo vive da boa música. Entretanto, o que há de melhor para falar de todo mundo que essa Música?

E ela nos canta, baixinho ou aos berros, que todos, mesmo disfarçados em pedra, esperamos. Sonhamos. Um tanto de realidade que esperamos é questão de conjugação, é realizar. Só que, para isso, é preciso força. Dói ser forte!

E mesmo que essa dor não existisse. Quem controla tudo o que há? Vai a Marisa cantar com o universo ao seu redor. E pode ser assim. Por um segundo, uma hora, ou mesmo por toda uma vida! (Contradição!?)

Essa toda uma vida, porém, há de ter suas interrupções. Como os instantes que decorrem para que o toca cd repita novamente a faixa desejada. Quebra-se o encanto?

Besteira! Quem só se encanta com viver de cores alegres ou é depressivo crônico, ou idiota. Nós, pessoas “normais” apenas desejamos, meio que não desejando, esse tipo de idiotice. Imagine só, nunca ter de cansar a vista com cores quentes. Vininha estava certo, viver assim, é não viver.

Logo, reafirmo, viver dói. E ninguém passa imune à vontade de fugir à dor. Pronto, o vício é a fuga!

Há os que descarreguem ansiedade em cigarro. Tristeza em álcool. Cansaço em coca-cola e pílulas de guaraná. Solidão em literatura. Vazio em paraquedismo. Tédio em tricot. Carência em televisão. Displicência em mentiras.

Dos vícios, os odiosos, os poemáticos, os que rendem sambas, os que consomem... E vão me dizer que talvez eles, os viciados!, sejam aquele apelo doido de quem cutuca o tecido morto sobre a pele a cicatrizar-se por mera falta do que fazer. Vai demorar a fechar o buraco. Mas a vida assim, de gente entrelaçadas, ela não é orgânica – ainda que pulse no batuque de um samba, sangre nas cadências de um piano. Ela é,porque assim é plena! Nós?, só estamos sendo.

Sendo o processo das notinhas inseguras que vão dançando em um harmonia desconhecida. E quem não quer saber como vai terminar a música?

Se não quiser, é porque realmente não gosta de viver, simplesmente vive. Vive como osmose insossa e perfeita, do organismo que não falha.

Se não acreditar que tudo é falha, ao menos há de lembrar-se das falhas consigo mesmo. E pode querer sua overdose de poesia, de filmes do Kubrick, de vinis riscados do Sidney Magal (boa música explica muito; a duvidosa, ao menos distrai!) que todo mundo esqueceu, e ácidos passeando por agulhas que estupram veias, de meias coloridas, de coleções de garrafas de cerveja, de seriados que de tão fantásticos fazem da vida um eterno normal....................

Que começa às seis da manhã. Enquanto uns dormem até mais tarde. Outros visitam amores que nunca foram no descanso do corpo sob os lençóis. Outros preparam o café. E outros bebem desse café.

Bebem do início da manhã: descendo quente - às vezes queimando, quase sempre despertando!!

Pois bem: o café é um vício. De quem reclama do cansaço do mesmo de todo dia, que precisa de algo negro para despertar. E agora explico minha tese, com argumento bastante científico – que é o meu próprio achar; e pronto!. Não me interesso por pessoas que não sejam capazes de reclamar, e que, aliás, não sejam capazes de se interessar por nada. Porque eu mesma me interesso pela vinda do trem. Consigo imaginar – e que bom, tenho café bem adoçado em mãos, para depois me beijar a língua com todo o gosto. Mera manifestação do vício de ser – porcaria nenhuma, talvez, mas sendo.

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* Quando escrevi o título pensei em Sir Huxley... Não sei se tem muito o que haver com este texto. Talvez tenha, e isso seja óbvio até. Só que ando desconfiando que até mesmo o óbvio exige alguma coisa de pulinhos elétricos de algumas celulazinhas cinzas da cabeça.
** É um bom lugar para se freqüentar em Sampacity... consultem o guia da Folha!
*** Só para constar, não gosto de notas de rodapé. Então não vou, por preguiça mesmo, revelar a identidade delas - das músicas de que falei no primeiro "asterístico". Não das notas... de rodapé, oras! E tenho certeza de que eu nem precisaria fazer isso, não? ;)



segunda-feira, 3 de março de 2008

Casa, silêncio, cigarros inexistentes e espera...



...

A casa, silenciosa. Paredes conspiram: seriam cúmplices da solidão? Desde quando já parara o relógio de girar em sua rotina? Não havia tarefas a cumprir, e tampouco havia resquícios do sol da tarde que nunca fora... a ausência de vozes dá medo!

O pequeno garoto imagina poder olhar para os pés que aparecem sob a manta xadrez de lã. Encara resoluto as ranhuras da unha do dedão esquerdo que não pode ver. Estaria suja, provavelmente mal cheirosa como o banheiro mantido fechado para que os gatos não entrassem durante a noite.

Seriam seis ou sete? Não importa, não conseguiria lembrar-se de todos os seus nomes – e talvez isso porque nunca tivesse parado para ouvi-los. Nunca conversara com gatos! Mesmo assim, vez ou outra, atrevia-se a enfiar suas frágeis mãos nos pêlos daqueles furtivos animais. Não sabia porque o fazia, se ele mesmo não gostava de gatos, se nem ao menos os queria ter por perto.

Nada disso importava... Bastava saber que, durante a madrugada, os tamancos dela agrediriam os azulejos do corredor. Aquele salto pontiagudo marcaria o compasso neurótico de quem apenas vem porque tem de vir, sem em nada querer ficar. Talvez ela, como fazia o garoto com os gatos, afagasse sua cabeça, e ele ronronaria em pensamentos de prazer. Depois, se esquivaria, indiferente de tocá-lo, e olharia pela janela distraída, vendo riscarem o asfalto e o silêncio os carros a passar. Para onde iriam? Para casa, depois das diversões da noite? E quantas diversões não estariam a acontecer enquanto ela perdesse o foco do olhar, e mirasse em ponto algum os minutos que passavam sem que nada para animar-lhe a alma acontecesse.

Fosse outra situação, imaginava o menino, ela talvez acendesse um cigarro... fosse outra situação, ele gentilmente lhe ofereceria isqueiro, conversa, beijos... Mas para que pensar no impossível? Não ofereceria o que não tivesse para dar: não fumava, não teria um isqueiro, e nem se atreveria a querer tocá-la. Porque era apenas um pequeno garoto. Tivera mil anos e seria apenas um pequeno garoto, dada a circunstância da ausência de sol entre as paredes.

Qual seria sua secreta idade? Tão velha quanto as melodias cinzentas de dias nublados, ou seria a juventude prematura de um copo de vinho que se esvai antes de chegar a meia noite? Antes de chegar a meia noite... havia nas horas um perfume – e não era o da ausência...

Silêncio..........

Os gatos estão voltando. Vieram, mesmo estando trancadas as portas do sujo banheiro. Não parecem contentes, sua chegada não pode ser bom sinal.

Não há velas na pequena capela. Quem sairá em procissão? Ela, nada sabe. Entra com a costumeira bandeja na mão, sobre ela uma seringa e duas ampolas... Sobre Ela, angústia de quem vê algo finito esgotar-se – vida!

Põe as mãos brancas sobre os cachos castanhos do rapaz. Murmura baixinho uma música triste que nem sabe de onde vem. Olha para os aparelhos ao lado da cama, depois fixa-se na visão da manta xadrez de lã...

Dói!

Uma reta marca o fim. Hora de chamar os doutores, nada mais a fazer. Seringas inúteis, inútil amor por um corpo morto. Logo, porém, nem pensaria mais nisso. Quantas pessoas não morrem em um hospital?

Os gatos gritam festa sobre o telhado, também imundo. Ronronam sua boêmia e cantam mais uma canção de missão cumprida. Da janela, um menino-homem, então vertido em luz, vê uma moça afagar o rosto inanimado que já lhe pertencera. Acabou-se o silêncio, voltam os ponteiros a girar. Finda uma história, triste, como a saudade antecipada das últimas páginas, feliz pelo próprio término.



- Isso foi escrito há mais ou menos um ano, e sofreu algumas modificações durante esse tempo. Fosse hoje, tenho certeza de que seria completamente diferente. Talvez muito mais drama do que mistério mal explicado - e mal construído, aliás. Mas desse texto mesmo assim!

Essa tentativa de suspense, meio suspensa entre o simbólico e o irreal (valham-me deuses, daqui a pouco falo como crítica literária!), alivia um pouco os pensamentos - meus. Parece distante - tanto quanto o coitado que entravado numa cama de hospital desde menino, apesar da maturidade do próprio corpo (a jovem que o vê sente compaixão ou atração, ou os dois?), nunca se pôde fazer homem.

Enfim, é o relato de uma vida não plena. Então, peço licença, e agradeço por ser ainda um pouco "poliana". Mesmo com o clichê de todo dia, sou mais a plenitude!, mesmo que ela também seja fim! -