segunda-feira, 30 de junho de 2008

Odes à mãe ausente

V

É tão inoportuno o meu pensar no após,
Ser onírico sou.

Com a morte inquieto-me e não com a vida
Que segue e por mim passa.

Sempre assim é: quando estou cá, não mais estou.
E se estou, não sou mais.

Quando o perfume sinto das folhas que caem
Vislumbro a primavera

E assim que floresce a primeira rosa nossa
Vermelha, vejo-a murcha.

Se há chuva, quero um sol brilhante bem acima
Só pra ver o arco-íris.

Quando o vejo, contudo, não o vejo mais
Pois pelo seu fim temo.

Aquele que, como eu, no amanhã sempre vive,
Certo não viverá,

Já que para os deuses não há sujeito oculto.
Só há sujeito omisso.



VI

Não podemos esquecer de que queimam
Tanto o frio quanto o calor,
De que cegamos quando há escuridão
Ou para o sol olhamos.

Devemos reter na memória o choro
De alegria e tristeza
E lembrar que as árvores perdem folhas
Mas voltam a florir.

Há dor, portanto, na vida e na morte,
E dela não há fuga.
Feito as árvores somente sejamos
E a florescer voltemos.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Dalí que vem História


Sempre disse a tia, tome cuidado: história é História; estória, outra coisa. E nas provinhas de redação todo mundo ficava pensando o que se queria dizer, se era da relevância de um "H" atemporal, ou coisa besta de um "e", tão pessoal.
Depois já de adolescente, um professor, muito amigo meu, disse que essa hi/estória não tinha nada a ver, e que eu escrevesse como bem entendesse. Se o texto fosse bom, digno de começar com consoante, não seria uma vogalzinha ali, perdida, que ia fazer o leitor perder o interesse.
Dessa discussão de primário, veio-me uma reflexão, meio confusa, eu acho, mas que ficou. É que sempre tive a mania de descrever, para mim mesma, na minha cabeça, as imagens e os pensamentos que iam tecendo o meu cotidiano - como se me contasse o que acontecia comigo. Coisa de gente bem besta, é verdade, e que me rendeu a fantástica mania de, antes mais freqüentemente, agora um pouco mais raro, me esquecer falando sozinha, até em lugares públicos.
Acho que é daí que vem a minha mania de sempre me refletir em um agrupados de palavras, à maneira de (sentir de) um certo Pessoa, botando as minhas dores e alegrias reais em dores e alegrias mentirosas. E a partir daí, a minha grande mentira de futuro, o meu "sonho", por assim dizer, passou a ser fazer das minhas estórias algo de História.
Um pouco de pretensão, é verdade. Mas é como aquela coisa do garotinho raquítico que quer ser astronauta, do perna de pau que quer ser Pelé, da adulta que quer ser bailarina sem nunca ter dançado balé.
Os meus textos são raquíticos, e de tamanho para um livro lhes falta pouco mais que volume. Sou perna de pau das letras, do tipo que até se vira em um ou outro drible, mas tropeça ao correr a trás da bola - e um gol bonito de se fazer, fica só na vontade. Posso até dançar a rumba, o mambo, sapateado, a tarantella! e os sete véus, até... Só que na hora de despir a linguagem, falta um pulo, um salto, um arabesque que me faça a prima bailarina de um "pa-deu-deux".
Se eu ouvisse, ainda, a tia da escola, ia estar fazendo outra coisa, agora, agora mesmo. Quem sabe estudar os protocolos do que é Direito, o que é direto, o que todo mundo faz. Não ia pensar que um "his" cabe onde passeiam os tantos "es"s das minhas indecisões diárias.
Eu, no entanto, mando a tia à mer**. Ela me escandiu o primeiro versinho, e se esqueceu de me contar o que era lá a ousadia, que a gente tenta, só porque tem vontade.
Querer vitória*, no fim das contas, tanto me fez quanto não me faz. Porque, como me disse o meu professor amigo, se no meu palavreado algo de maior importância houver, não faz diferença como vão chamá-lo. Se não houver, ninguém vai se lembrar dele - só eu, que nele fui astronauta, fui Pelé, fui bailarina.
E penso que assim deve ser, não só com a minha estória: a História é tentar.



*("Olha lá quem sempre quer vitória e perde a glória de chorar")


[Imagem: Dali - só porque eu gosto de surrealistas, tudo bem a que relação com o texto não é "muito" direta: sejam criativos!]

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Quem era o herói

Era,
qual peito erguido
quem do céu pudesse chamar
realidade.
Qual o sonho
cortas as nuvens.

A Gargalhada
Primordial?,
ela nunca foi dada
- antes da beleza
quebrou-se o espaço
na fixação de...

estilhaços.

Quem era o herói?

Ladrões de humanidade
me perguntam,
quem tinha a tecnologia
de tudo
fazer-se tão pouco
em

Fuga:

a antítese de ser.

Quem herói,

quem não
foi,
nas passagens
humanas.

Quem de impulsos
elétricos
pensados na
carne
ou fora dela
criados,
esqueceu
ao chão
pisada e apodrecida
tão bela a polpa
de uma tal fruta

proibida.

(nada)


[imagem: René Magritte]

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Viver e amar

Deus, a quem sofreu
a vida deu.
Deus, a quem não amou
a vida tirou.

Mas porque todo amor
termina sempre em adeus?
E porque toda dor
parece sempre infinita?

Sabemos que tudo passa...
Não fiques aflita.