quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Filhos, eu não os terei.


Escreverei sobre algo bom, assumindo toda a responsabilidade daquele que aponta verdades. Algo bom, após um ano sofrido. Decerto, para acontecer, coisas ruins não escolhem deliberadamente um conjunto definido de trezentos e sessenta e cinco dias nem qualquer outro período de translado celestial. Sabemos que divisões temporais, como outras tantas divisões, são produtos da razão. Esta sim é a única a gozar das simetrias que enxerga. Um ano ruim: metade razão, um ano, metade humano, ruim. Funciona exatamente assim: esperamos, do ato de ter esperança, agora sem razão, que o ano ruim termine logo, como se na passagem de um dia para o outro, os ponteiros do relógio simplesmente anunciassem um fim terrível e um começo promissor. Infelizmente não sabemos todos, mas para mazelas do corpo e da alma, da condição humana, para estas, não há divisórias nem congruências. O tempo não é lógico, é anárquico e mal-educado. Não quero, com isso, evidenciar relações de causa e efeito, nem quaisquer outras, entre lógica, anarquia e educação. Vou além: é como um louco de quem se pode esperar tudo. Ele não tem caráter. É assassino em série sem padrão.

O tempo. Só passa para aquele que o conhece, tal como a medusa que petrifica aquele que a vê. Enuncio, então, a regra, ora inquestionável: aquele que conhece o tempo, não o possui. Todavia, a criança, dentre todas as coisas boas, tudo possui. Nós já ouvimos: ela tem todo o tempo do mundo. Esta é uma verdade. Na infância, rotações e translações terrestres valem tanto quanto juros e inflação, ou seja, não passam de palavras ocas. Portanto, a criança não conhece o tempo, ela o possui. É isso que sinto quando olho para ela. A liberdade que explode, a preocupação que se ausenta, a ansiedade que lhe falta. Não há sofrimento em uma criança. Não há morte. Com tudo ela se conforma, feliz, não em sua ignorância, mas em sua satisfação de saber o disponível. Quero deixar claro que criança não é um ser de nosso mundo. É de outra dimensão, fantástica, porque cria da imaginação. Infelizmente, a nossa dimensão é nostálgica, porque para a infância nenhuma ex-criança jamais regressou.

Deveria escrever sobre algo bom. Perdoa-me. O tempo, este guardado para reflexão, fez-me mudar de idéia em dois parágrafos. E para quem é sua vítima, otimista não há de se tornar.

Lembro-me de que fui criança. Tiraram-me o que tinha de mais precioso, sem o saber: todo o tempo do mundo. Fizeram-me conhecê-lo. Foi uma apresentação seca, sem pompas ou afagos: “Este é o tempo”, “Prazer em conhecê-lo”, “O prazer é todo meu”. Eu, a criança, ingênuo. Ele, o tempo, irônico. Deixara de possuí-lo. Passou a possuir-me.

Novamente questionarei o teor absoluto das próximas afirmações. É possível que o tempo seja pontual. Diz o ditado, “tudo tem seu tempo”. Acreditar nisto implica acreditar em algo a mais. Eis uma sabedoria que nos escapa. Para ilustrar, tomemos um exemplo da vida com outro ditado: a única certeza dos vivos é a morte. Não se sabe como nem onde. Nem o mais importante: quando? Morte e vida. Antônimos para muitos. Para outros, sinônimos perfeitos, se isso é possível. Questão gramatical de ovo e galinha, eu digo: morre-se para viver ou vive-se para morrer? “Só o tempo dirá”. Talvez para alguns, para os mais letrados e/ou astrológicos, o que digo não faça sentido. Para outros, profano um templo sagrado. O fato é que até mesmo tais dúvidas ou convicções acerca da pontualidade do tempo só despertam para aqueles que crianças não são mais e para lá não voltarão. Do tempo, todos somos escravos.

Desconfiado está o leitor mais sagaz, devorador de clássicos. Está certo, confirmo: não deixarei como herança o legado de minha miséria. De tempo, se me resta muito ou pouco, não sei. Sei que da criança nada sobrou. Desejo apenas que este ano logo termine e que o próximo seja muito melhor.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

O maior invento do mundo

Moinho gira o engenho
Soturno
Cá não há o que eu não possa
Eu posso
Direito à sesta eu tenho
Não durmo
Desde que limpa a fossa
Eu faço

Descanso não mereço
Nem peço
Cava a pá, levanta o pó
Grita o pé
Reclamo, estremeço
Tropeço
Agradeço, não sou só
Tenho a Sé

Afundo em mar salgado
Não choro
Suor o corpo chora
Orvalho
Não peça amor, amado
Imploro
Sou senhora sem hora
Trabalho

domingo, 18 de novembro de 2007

Portal Literal

Acordado, enfim, de um longo período em câmara criogênica.
Volto a aconselhar, pretensiosamente dos meus nulos 23 anos.
Culpem, se for este caso para tanto, a ansiedade do recém-nascido.
Siga o "coelho branco". Garanto: não haverá lamentos.

http://portalliteral.terra.com.br/index.htm

domingo, 11 de novembro de 2007

Saudade à brasileira

Muito se fala sobre a dificuldade de traduzir a palavra saudade. Não tenho dúvida nenhuma que ela traz consigo um sentido de difícil compreensão para povos que não falam a língua portuguesa. A dimensão da palavra saudade na língua portuguesa é gigante.

Porém, o que acabo de dizer não é nada novo. O que acrescento é que é novo: a palavra saudade, para nós brasileiros, tem um significado diferente, que vai além de sua acepção e significado para os portugueses. Sim, os portugueses vão me odiar por isto.

Acho que nós compreendemos mais o significado dela para eles que o inverso. Exatamente porque a saudade brasileira é uma coisa paradoxal por se relacionar fortemente e alegremente com o futuro! E para eles, jamais!

A origem dessa palavra é quase tão incerta quanto a do universo. Entretanto, seu significado parece estar fortemente associado às navegações portuguesas, aos descobrimentos. A palavra descreve o sentimento das mulheres portuguesas deixadas em terra por seus maridos que saíam a velejar em busca do desconhecido, assim como o sentimento dos navegadores que se viam longe de seus entes queridos e envolto de um mar sem fim. Era uma saudade relacionada à incerteza, à solidão, ao desejo de rever e de possuir novamente, uma lembrança nostálgica e carinhosa.

Com o passar dos anos e as sucessivas crises enfrentadas por Portugal tal palavra passa a descrever, além daquele, mais um sentimento: algo carregado de pessimismo, um sentimento de que o tempo bom ficara no passado e jamais voltará. Sentimento este que vigora ainda hoje em tudo que relaciona os portugueses.. Extremamente saudosistas e pessimistas, vivem o presente para lembrar do passado, e jamais para construir um futuro. Talvez, jamais seja um pouco forte....

No Brasil, nós temos este sentimento também, nós o compreendemos, mas nós não o acatamos completamente. Nossa saudade é paradoxal porque, junto a este sentimento, temos sempre o sentimento ou a expectativa de um futuro melhor, de que novas coisas virão, uma expectativa alegre e otimista em relação ao futuro. Está aqui a grande diferença: os brasileiros são otimistas, os portugueses não. Daí a diferença no sentimento de saudade.

O mais importante não é a diferença, mas suas conseqüências, e é onde quero chegar. A nossa saudade ajudou a criar a bossa-nova, que é antes de tudo uma música alegre que pulsa no ritmo do coração, assim como o jazz. Enquanto a saudade portuguesa ajudou a criar o fado, que é uma das músicas mais tristes que já tive notícia. Aliás, o fado é pobre também por conta da saudade portuguesa ser muito mais bem definida, ou seja, não carregar consigo o paradoxo que a nossa carrega. Enquanto a bossa é rica também por conta da saudade brasileira ser dúbia, paradoxal, mais rica de sentidos. Saudade no Brasil é tristeza misturada com alegria, é tristeza à espera de alegria, é solidão que vislumbra o reencontro, é o coração apertado que carrega uma alma radiante.

E assim as duas almas, portuguesa e brasileira, se diferem. E é exatamente por serem duas almas distintas que falam línguas também distintas, apesar de parecerem a mesma. Todavia não são a mesma, e jamais serão. É justamente a diferença entre as almas que explica o fato de se expressarem de maneiras completamente diferentes. Na música, por exemplo, o fado é, muito provavelmente, a maior expressão da alma portuguesa. Enquanto a bossa é a maior expressão da alma brasileira. E é esta pequena comparação que nos mostra qual alma é gigante... Podem até argumentar que o gigantismo da alma portuguesa está na literatura, mas como é a música a arte suprema, a comparação deve ser feita na esfera musical.

Por fim, não existiria fado sem as navegações e sem a saudade portuguesa, assim como não existiria a bossa nova sem a saudade brasileira e sem o Rio de Janeiro, este que também não seria o mesmo sem as navegações..

E o que nos resta? A música, a boa e velha Felicidade que tudo nos ilustra: o ritmo é alegre, o nome é feliz, e a letra é.. Bem, o primeiro verso diz tudo: "tristeza não tem fim/ felicidade sim".

Que coisa mais ambígua, não? Mas "isso é bossa nova e isso é muito natural". Isso é o Brasil.

Por Belém Neto e JJ