segunda-feira, 7 de março de 2011

MinC e secretaria da economia criativa

Pretendo reproduzir aqui neste espaço um texto que escrevi para um amigo por email.

Sei que não é o espaço mais adequado, mas o assunto é urgente: o Ministério da Cultura passa por reformas no mínimo estranhas..

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O ministério da cultura não tem nada a ver comigo.

A Ana está parecendo ser mais uma mafiosa. Músico famoso no brasil é quase tudo mafioso.

Foi criada a secretaria da economia criativa. Ela quer sistematizar e controlar um processo intrínseco ao capitalismo, mas que só foi reconhecido tardiamente na esfera cultural.

O processo é aquele no qual o capitalismo transforma tudo em produto.

Logo, música, filme, quadro, foto, etc, depois de arte, viram produto.


Uma vez identificado que arte vira produto, que é trocado por dinheiro, que entra na conta de receitas dos países, e de renda dos cidadãos, o MinC decidiu sistematizar, controlar, e potencializar esse processo na esfera da cultura.

O resultado disso é que, provavelmente, o processo terá sua ordem invertida. E arte que virava produto tornar-se-à: produto a ser vendido como arte!...

Mais ou menos como aconteceu no cinema americano. Desde cedo, 1910, os americanos perceberam que podiam ganhar dinheiro com o filme. O cinema americano foi construído em cima de uma indústria com fins lucrativos, exatamente como outra qualquer, como a de automóveis, ou computadores. (Não é por acaso que os judeus estão desde o princípio por detrás do cinema americano)

Mas os americanos são menos hipócritas que a máfia brasileira. Eles sempre colocaram um adjetivo nos filmes: filme de entretenimento, newsreel (atualidades), etc. Eles não vendiam o filme como arte, mesmo sabendo que o filme poderia ser uma arte, e que muitos que estavam envolvidos buscavam o lado artístico. etc.. Depois, mais recentemente as coisas mudaram, mas não nos interessa.

O Brasil, que diz ser o país do futuro, viu o futuro passar e nem percebeu. O futuro do Brasil são os anos 50 e 60, quando o país produziu o produto "da mais alta capacidade humana", como bem observou Tom Zé, a bossa nova. Depois ainda teve o cinema novo, e a tropicália...

De lá pra cá nós nos afundamos.. Mas pelo menos somos otimistas.

O MinC vai afundar ainda mais o Brasil, porque nós só somos capazes de produzir cultura e alimento, mas pelo que se viu nos últimos anos, em breve só seremos capazes de produzir alimentos. Principalmente agora que o Minc entrou pro lado dos grandes estúdios fonográficos e tirou o suporte ao creative commons, ou seja, tirou o suporte à criatividade.

Se a política da secretaria da economia criativa der certo, vamos ganhar muito dinheiro, não vai resolver a desigualdade, mas vai amenizar. Como no caso do cinema americano. Mas quem quiser ouvir boa música, por exemplo, não vai mais procurar as músicas brasileiras, como os cinéfilos se enjoam logo dos filmes dos grandes estúdios americanos.

Mas tem tudo pra dar errado, só que isso já é outra história.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Aqui estou, de novo...

Já que meus colegas resolveram voltar a dar as caras por aqui, resolvi também dar uma aparecida - depois de um longuíssimo tempo sem postar nada.
Em 2010 tive a correria, que não foi pouca, como desculpa pelo sumiço. Não me lembro de ter escrito uma única crônica que prestasse. Poemas? Acho que lá uma meia dúzia, talvez. Mas tudo bem meia boca, para falar a verdade.
Não que a inspiração tenha baixado agora, e eu tenha escrito alguma coisa brilhante. (NOT!) Não é esse o caso. Mas, enfim, para não enferrujar de vez (já que estou morrendo de medo de não conseguir escrever mais), vamos lá:

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Produto Orgânico

Eu digo

à calma
o bom do dia

que não se preocupa
por onde trombar

no trânsito
de almas
de tombos ao chão
aspereza
de rir

agre doce
sorriso
colhi
pétalas

que me joga

poeta

do asfalto
farto

de todo dia
tropeçar

em pressa.

No que se deve
ser
mais rápido

adiante

- Apressa!

- trombar a perfeição
inventada
de pétala de naylon.

Desiludir sintética
a fibra esgarçada,

a minha gargalhada
(tenta)disfarçada,
(chora) desgraçada,

mais adiante
se cala

(acomodada).

Noutro dia
na calma se tropeça

quem sabe
se não em flor inteira
d'uma verdade
que se arremessa
em verde confessado,

descanso d'alma
que verso abraça?

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Discordâncias


A beleza das palavras de amor

Não está no canto ou no silêncio dos olhares,

Mas no despertar da comunhão dos lábios.

O peso da nossa saudade

Não está precisamente na ausência,

Mas em nossas lembranças, tão vivas.

O encanto da relação que se resume nas palavras não ditas

Não está em não as dizer,

Mas na iminente possibilidade de dizê-las.

A sabedoria do meu coração

Não está no nexo dos meus sentimentos,

Mas na incoerência própria dos corações humanos.


Então

Eu quero um beijo,

Eu quero a presença,

Eu quero dizer e ouvir dizer,

Eu quero a incoerência.


Caso contrário, não quero!

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O crime perfeito


Cada amante ama à sua maneira.

Cada amor é impressão digital.

Mas com a experiência de um ladrão velhaco,

Alguns amantes nos furtam o fôlego.

Levam-nos o coração.

Roubam nossa alma.

E não deixam sua marca.


Mas eu não quero um crime perfeito.

Quero as tuas impressões em mim.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

No meu devido lugar - V

Timidez

Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...

- mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...

- palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,

- que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...

e um dia me acabarei.

[Cecília Meireles]

No meu devido lugar - IV

Meu Sonho


Parei as águas do meu sonho
para teu rosto se mirar.
Mas só a sombra dos meus olhos
ficou por cima, a procurar...
Os pássaros da madrugada
não têm coragem de cantar,
vendo o meu sonho interminável
e a esperança do meu olhar.
Procurei-te em vão pela terra,
perto do céu, por sobre o mar.
Se não chegas nem pelo sonho,
por que insisto em te imaginar?
Quando vierem fechar meus olhos,
talvez não se deixem fechar.
Talvez pensem que o tempo volta,
e que vens, se o tempo voltar.

[Cecília Meireles]

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A física do amor não correspondido

O ponto A declara seu amor ao ponto B.

Logo, do ponto A, a fonte primária,

O amor segue sua trajetória linear rumo ao ponto B.

Ao atingir a superfície de B, dois fenômenos acontecem:

A reflexão, também conhecida como amor não correspondido;

E a refração, que pode desviar o amor de seu objetivo.

Nesse último caso, o amor pode parar no estômago,

E então nasce a paixão.

Pode também parar mais abaixo, o que causará excitação.

Mas mesmo não correspondido, parte do amor deve estar em B.

No meu devido lugar - III


A Arte de Amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.

A alma é que estraga o amor.

Só em Deus ela pode encontrar satisfação.

Não noutra alma.

Só em Deus — ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.


[Manuel Bandeira]

Sobre esperanças e verdades

O que nos resta quando nos tiram toda a esperança? O choque de realidade é o meu melhor palpite. O confronto com a impossibilidade e a inexistência de alternativa nos liberta. Dá alívio. Devemos admitir: a esperança é um fardo. É o próprio peso. Ou melhor: é a prisão de vidro, onde se tem noção da realidade do entorno, mas não se pode experimentá-la porque preso. Quando nos tiram toda a esperança, portanto, ganhamos a liberdade.

Se aqueles que nos desesperançam também são aqueles que nos libertam, aqueles que nos dão esperança são também aqueles que nos trancafiam. De fato, não há presente mais amargo que a esperança. Lembro sempre dos pobres troianos. Ilhados. Como haveriam de ganhar a guerra? Pior do que o cavalo, os gregos deliberadamente deram a esperança. Foram deliberadamente cruéis.

O presente mais doloroso, no entanto, vem daqueles que não querem presentear; daqueles que não querem dar esperança, mas que, agindo assim, enchem de flores os nossos pensamentos. É o trair-se ingenuamente doloroso. É a delação, em nome da amizade, do amigo de infância (para o seu bem; para o meu bem). É aquele “não” que nunca se pareceu com um “não”. O “não” com a cara do “sim”. Essa é a maior dor, que causa a oxidação da alma. A dor da esperança que aprisiona.

O que me leva a crer que só teremos paz quando imperar a verdade. Especialmente a nossa verdade, capaz de derrubar as paredes de vidro. A verdade que sufoca a esperança. A verdade que é o antônimo da esperança.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

No meu devido lugar - II


O Amor, Quando Se Revela

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

[Fernando Pessoa]

No meu devido lugar - I


Sonnet XVII

Who will believe my verse in time to come,

If it were fill’d with your most high deserts?

Though yet, heaven knows, it is but as a tomb

Which hides your life and shows not half your parts.


If I could write the beauty of your eyes

And in fresh numbers number all your graces,

The age to come would say, ‘This poet lies;

Such heavenly touches ne’er touch’d earthly faces.’


So should my papers, yellow’d with their age,

Be scorn’d, like old men of less truth than tongue,

And your true rights be term’d a poet’s rage


And stretched metre of an antique song:

But were some child of yours alive that time,

You should live twice, in it and in my rime.


[William Shakespeare]

domingo, 30 de janeiro de 2011

Inúteis divagações sobre sacadas e esperanças

Ultimamente eu ando obcecado por sacadas.

A sacada não é casa. Também não faz bem e não parece mais segura que a parte de dentro. É o elo com o mundo de fora. É a forma que o apartamento tem de pedir desculpas pela clausura e a falta de perspectiva. E devo dizer que é um modo muito peculiar para se desculpar. Ao se projetar no vazio, expõe-me à sorte, denuncia-me. De novo: ela não tem pretensão alguma de se fazer casa ou de se fazer segura. Na verdade, ela mesma se oferece como plataforma para um último salto ornamental. Talvez o mais belo. Talvez a nota dez. O seu fascínio. A desculpa na forma de denúncia; da humilhante exposição ao mundo; do sussurro ao pé do ouvido: o convite ao livre arbítrio.

Na sacada posso ver que a esperança é a mais sem graça das brincadeiras divinas. E por que na sacada? Porque, como disse em outros termos, ela é o elo entre o que somos e aquilo que parecemos ser. É o suporte entre dois mundos. E entre eles, existe o vácuo no qual vivemos a maior parte de nossas vidas. Quero dizer, vivemos pouco o que parecemos e muito menos o que somos. Vivemos no vácuo, sem saber muito bem aonde ir. Só que a sacada nos compreende. Ela nos suporta e nos coloca em xeque. Assim como um noivo à espera da resposta, ela aguarda nossa decisão. E aí surge a esperança, a mais sem graça das brincadeiras divinas.

Assim, volto-me para minhas próprias e infinitas sacadas. São essas que surgem na alma; que rompem a clausura com alguns goles de pinot noir. São essas que me encantam. São essas que me projetam. São essas que me denunciam. Os elos com o mundo de fora. Pequenos espaços que não são casa. Nem transmitem segurança. Mas que devolvem a beleza da escolha; devolvem a capacidade de rir da esperança, aquela piada divina de mau gosto. Afinal, Deus escolheu nossas próprias sacadas para depositar o palhaço que pula da caixinha, a esperança. São essas as sacadas que aguardam minha decisão enquanto derivo no vácuo. São essas as sacadas que realmente me fascinam. E por essas é que ando obcecado.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O olhar de Orfeu

Então eu finjo que os seus olhos não me dizem nada

E você esquece as palpitações que sente.

Vamos também ignorar suas borboletas abdominais

E sua mudança de expressão quando me vê.

Não quero saber o que não me disse,

Mas morre de vontade de dizer.

Faça somente o que precisa

Sem o beijo que quer dar.

Fuja da vertigem.

Mas lembre-se: Orfeu sempre olha pra trás.