sábado, 29 de agosto de 2009

Resumo II

A baguete ainda quente
A manteiga derretida
O cheiro senil do café
A tarde na sacada
O décimo andar
O olhar para baixo
O domingo:

Um salto imaginário

Em um mundo de ânsias,
Um copo de vinho
E dois analgésicos.

sábado, 22 de agosto de 2009

Preguiça

Ontem fez frio. Quando, encerrando a jornada do dia para longe dos compromissos e obrigações, botei o pé para fora do ônibus, senti uma baforada de ar úmido que me fez bater os dentes. Enfiei as mãos nos bolsos já arreganhados da minha blusa de lã lilás e andei cinco penosos quarteirões de vento até chegar ao meu apartamento.
Apesar de fria, ainda assim era uma sexta feira, e me questionei se não deveria providenciar para logo estar bem longe dali. Para dizer a verdade, e sem ter o menor medo de me passar por brega (ou melhor, enfrentando todo o meu medo de me passar por brega), seria deprimente outra sexta feira naquele apartamento que mais parece um recorte isolado de tudo. Naquele apartamento - em que eu já tanto fiquei sozinha, na época (nem tão distante assim) em que raramente fazia o esforço de recorrer ao telefone para que as pessoas se lembrassem de mim. Ficar só às vezes é uma questão de pura preguiça. Preguiça de sair de casa, que seja, preguiça de expor-se, e expor-se também ao erro - nesse aspecto a nudez do corpo seria o de menos.
Enfim, fato é que ontem qualquer tentativa de fugir de mim parecia estar tão preguiçosa quanto eu mesma já fui, ou talvez ainda seja. Encontros entre amigos são sempre bons e esse foi o dia dos desencontros - cada um queria uma coisa, cada um no seu lugar. Por fim, conformei-me, pensei nas despesas de fim de mês e constatei que tinha também preguiça de passar dez dias na pindaíba para compensar a balada de sexta feira.
Fiz o que, de costume, seria mais a minha cara. Enfiei-me nos cobertores. Antes tinha pensado em ver um filme. Pena que nenhum dos DVDs da pilha que tenho em casa não conseguiram me fazer sentir menos preguiçosa, ou pelo menos despertaram-me da vontade de assisti-los. A solução foi continuar a leitura de um livrico de bolso que comprei na semana passada.
Eu, o livrico, os cobertores e a minha preguiça. Penso se faria alguma diferença, o que mudaria, se naquele minuto me acordasse de todo esse marasmo alguma voz de timbre morno e certa sensualidade, naquela tonalidade de andar de mãos dadas.

(Tonalidade de andar de mãos dadas:

A minha preguiça me impede de soltar um suspiro.)

Como?

...

E vou ciscando palavra aqui palavra ali no livro que está solto no meu colo. Não estou tão interessada nele assim, na verdade. Só mais uma história de casal. Uma história de um casal confuso. Estivessem os dois sob o meu cobertor, acho que continuariam tão preguiçosos quanto eu. A identidade de um não é a do outro.

E quando apago meu abajour penso que talvez solidão não seja apenas uma questão de preguiça sentimental. Ou ainda que a preguiça sentimental não vive só no meu apartamento só, em uma gelada sexta feira a noite.




[PS: Para os curiosos, o livro é "A Identidade" - Milan Kundera...]

sábado, 15 de agosto de 2009

Resumo I

Há quem prefira flores artificiais
Cujo viço é perene
E a beleza não murcha.

Há quem prefira café sem cafeína,
Antiácidos de abacaxi
E refrigerante sem açúcar.

Há quem prefira o sexo virtual,
O trabalho do parto
E a música eletrônica.

Mas no fim do dia,
Para que serve um quarto
Além de abrigo ao grito?

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Férias, divagações, eu e Marjane


Como sempre, eu estava esperando que me aparecesse alguma narrativa interessante para postar. Enquanto isso, fui procurar no meu arsenal de poemas algum que merecesse ser botado aqui. Descobri que ainda tenho muitos versos escondidos, e que prefiro que grande parte deles continue assim - só meus, até que eles se tornem tão distantes, tão passados, que já não estejam mais falando de mim.
Só que, mais uma vez, não queria que esse blog ficasse parado. Então, pensei, vou escrever, mesmo que eu não tenha nenhum motivo especial para isso.
E é geralmente assim que começam as minhas crônicas, quando não tenho nada para fazer, e resolvo juntar em um texto só um monte de pensamentos soltos que vão pousando em mim de vez em quando, ou de vez em sempre.
Agora por exemplo, estou pensando em como essa é uma tarde calma, e como sutilmente está esfriando, e minhas mãos estão ficando geladas. O fim das férias prorrogadas pela suiníssima gripe invisível parece estar mesmo acabando. Uma semana a trás achei ótimo que tivesse tempo para ficar parada.
Não que eu exatamente tenha ficado. A semana teve seu corre-corre nas indas e vindas do meu estágio - que teoricamente deveria me ocupar apenas um dia por semana. De qualquer forma, houve tempo para que eu comprasse um presente dobradinha para meu pai (dias dos pais + aniversário) e ainda me presenteasse com algo que queria ter há tempos.
Não, não algo tão definitivo. Apenas mais uma narrativa para acumular entre pilhas de livros e filmes. Dessa vez um DVD: Persépolis.
Versão nacional, claro, pois a importada não cabe no meu bolso.
Foi um pouco decepcionante constatar que o energúmeno que escreveu a sinopse no verso da capa não assistiu o filme. Eu? ... já tinha assistido - numa dessas minhas idas ao cinema em dia de promoção, sozinha, no fim da tarde, em São Paulo. E também já tinha lido os quadrinhos.
E adorei repetir a dose. A história da Marjane Satrapi se mistura com guerra, ideologia, desilusões amorosas e drogas (acho que essa última parte fica mais explícita na comic novel). Um história de um Iraniana de nariz em pé. Não é de se espantar que estejam usando o Persépoles para falar das loucuras de Irã de hoje (não mudou nada).
Mas a história da Marjane não se resume a um conto político (o que por si só não deixa de ser digno de muita atenção). Diz sim respeito, eu acho, a um certo mal estar de juventude - bastante típico de quem costuma enxergar-se como um 'outsider'.
Talvez por isso - e também pelas passagens que não ficam livres de um certo senso de humor e autoironia - eu tenha me identificado tanto com ela.
Para quem estiver a fim, fica a dica!
E agora... bem, acho que não estou propriamente pensando em mais nada (é possível que se consiga essa proeza: não pensar em nada???).

Encerro por aqui (e essa frase fica como se fosse aquela coisa primária de escrever "fim" ao terminar a redação da tia).