sábado, 26 de setembro de 2009

PRECLUSÃO

Perco
do tempo
ilusão de voltar.

Ontem disseram-me:
- Agora!
antes percebesse

do tempo

não me apunhalasse.

Fecha-se porta:

o que será do feito
que houve
em tempestade

meu lamento não basta:

- Imtempestivo.

Será mesmo?

Ou que me ilude
angústia em processo

não tramita a vida?

Não transita
em exclamação
julgado meu
que não se fez.

sábado, 12 de setembro de 2009

Deus

Não há relevo em frases
De dentro dos parênteses

Também ninguém se importa
Com as notas de rodapé

Reticências foram esquecidas há muito

Tremas já extintos

Mesmo as vírgulas
Não mais oxigenam a vida

Nada vibra mais com a força original
De um legítimo erre espanhol

Exceto, talvez, para o escritor.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

ALUCINANDO!

Com dezessete anos eu acreditava que um dia poderia, quem sabe, tocar Chopin com perfeição. Não que esse fantástico evento não possa hoje acontecer mas, vou ser realista, na hora de traçar a bagunça da minha vida, os deuses não tiveram a bondade de jogar um pouco mais de música nela.
Tanto que naquela época, auge de várias das minhas ilusões (uma idade bastante propícia para isso, convenhamos), tive uma espécie de tendinite bastante bizarra. As pessoas geralmente tem problemas no pulsos, braços e antebraços, talvez. Pois que os deuses resolveram brincar comigo e travaram meus dois dedos... medianos. Sim, bastante sugestivo.
Cheguei a imobilizar a desgraça do dedo do meio da mão direita (pois é, sou canhota!). Como eu não conseguia esticá-lo, foi enfaixado assim..., meio curvado - como um gancho. Dois amigos pentelhos logo notaram a semelhança. Não perderiam, claro, a ótima oportunidade de tirar uma com a minha cara - que da raiva ia a feições de choro.

"Mas você ainda pode tocar xilofone, Gancho!"

É claro que a minha resposta a esse 'consolo' não era nem um pouco educada (já que é pouca toda a falta de educação necessária para dar pitacos nos bons amigos).

Em todo o meu melodrama, a tragédia se desenhava como algo irreversível:

- Nunca mais o piano, nunca mais... - lágrimas e mais lágrimas...

(...e os deuses iam estreitando os caminhos cheios de notas em tons maiores.)

Um ortopedista especializado em mãos, meio como a tia velha que lê a sorte, viu nas minhas que eu não poderia mesmo ser pianista. O nome do pirepaque veio como sentença: dedo em gatilho. (O gancho!) Em estágio pouquíssimo avançado (ainda que doesse horrores quando eu tentava estender... os dedos!). Não era caso cirúrgico. Mas - sabe como é, né? - melhor estudar menos piano, descansar mais as mãos e por que não fazer uma yôga, um pouco de alongamento...

Cortei os exercícios de técnica do Cortot(não foi grande sacrifício, eram mesmo chatíssimos!). Depois, escolhendo, para não estudar demais, entre ler uma peça de Vila Lobos e montar um acordezinhos chinfrins de quem está aprendendo a brincar com cifras, passei a visitar meu professor de música popular todas as semanas com a mesma cara de "sinto muito".
A peça do Vila saiu - e é o melhor que ainda hoje consigo arrancar de um piano. Chegaram os tempos do vestibular, e a paranóia das horas ao lado dos livros de exatas. Aprendi a gostar até da física, que para mim estava no mesmo patamar que o demo.

- E meu professor de piano popular continuava olhando para mim como quem lamenta ver alguém perdendo tempo.
Aí então constatei que seria assim: sem mais aulas de piano. E a tendinite tornou-se um perfeito bode expiatório.

Então tive a brilhante idéia de escrever um conto - que nunca terminei. Uma virtuose (que nunca fui) um dia acordava e, sem saber por que, não conseguia mais tocar. Audições mil marcadas, tanta tanta gente querendo ouvi-la levantar a alma pelas teclas... Os anos de estudo! As possibilidades - meu deus, que horror pensar nas possibilidades que então se tornavam impossíveis...
E ela... simplesmente não entendia por que. Aí então aconteceria algo batante banal, coisa de pretensa escrivinhadora pouco criativa: a personagem passaria a tarde inteira meio que como bêbada, com sucessivas epifanias (todas sem grande sentido, ou não seriam epifanias). Precisa esclarecer as coisas dentro da sua própria cabeça.

Então resolve ficar bêbada de verdade:

Sabe aquela coisa clichê do - estou sozinha, vou a um lugar esfumaçado à meia luz, sento ao lado de um balcão de granito escuro e converso com um garçom de TV americana vestindo um smoking chinfim...? Exatamente!

Ela chega e pede uma garrafa de vinho tinto. Seco. Por que tem que ser dos bons.
Um copo só, sim? (E daí se vai beber a garrafa inteira sozinha?)

Ela, a taça, e um vinho très chique, que ela não sabe por que é chique, mas o que importa mesmo é os outros considerarem chique para invejá-la por seu status superior. Logo não teria mais um centavo mesmo, já que não poderia trabalhar mais. Aliás, não poderia mais se divertir (piano, o seu maior prazer, mais que qualquer outra coisa, qualquer outra coisa. Ponto!).

Era então um cadáver que segurava a taça e despejava o líquido escuro nela.
Mas... que coisa! Um cadáver com os dedões voltados para fora?

(...Se um cara pode fazer sua personagem acordar como uma barata, por que é que a minha não pode acordar com as mãos trocadas?... É, é essa porcaria mesmo o que você leu).

Achou graça. Sempre confundira a direita com a esquerda (estou, neste momento, falando da personagem, ou de mim mesma, que, como eu disse, sou canhota?). O vinho era bom. Bom! Ela até conseguia conversar com os deuses e pensar nesse seu maravilhoso momento como uma ironia, castigo a um personagem chato que em uma série de TV americana - dessas em que aparecem barmans de smoking vagabundo - provoca risos no bando de telespectadores preguiçosos que desperdiçam seu tempo dando atenção a coisas estúpidas como uma série ruim de TV americana).

...

- Preparem-se, agora o final dramático:

Não, ela não sonhou com nada, e nem acorda em um hospital psiquiátrico (calma, acho que ainda não estou tão sem imaginação assim). Levanta-se perfeitamente sã no dia seguinte.

No dia seguinte!

Sem lembrar-se de como voltou para casa (nesse momento lhe ocorre um certo flashback desagradável com o barman, mas prefere pensar que ele foi uma alucinação muito verdadeiramente forte, tanto que um papelzinho rasgado com o número de telefone dele surgiu no bolso traseiro esquerdo de sua calça jeans, que estava jogada do outro lado do quarto), mas sã.

Sã a ponto de achar um absurdo ter a certeza de que notara que suas mãos estavam trocadas (e de considerar a existência de qualquer incidente com o barmam de terno chinfim). Pois então os dedos estavam no lugar certo (sem as mãos trocadas ou a ridícula posição de gancho mediano à direita!).

Foi ao piano. Tentou tocar alguma coisa.

Nada.

O juízo disse-lhe: vá ao médico.

Foi. E a sentença do guru dela foi bem mais benevolente que a do meu. Fadiga muscular, querida. Descanse por uma semana. Tragédia: com sem tocar, deixaria de ser a nº blá blá blá no ranquing de blá blá blá dos melhores dos melhores.

Mas nunca, porém, deixaria de tocar Chopin com perfeição.

Eu... Bom, nunca quis ser pianista por profissão, só por gosto. E por uma tendinite bizarra e vontade de fazer algo tão emocionante quanto estudar direito, deixei de estudar piano.

Bebo de vez em quando e nunca vi as minhas mãos trocadas. Mas às vezes tenho a sensação que de fato alguma coisa está trocada em mim. Será que dentre os caminhos que os deuses me disponibilizaram fui teimar em escolher o errado (aquele das aulas mais soníferas, dos textos mais prolixos, da maior presença de distancionamento emocional da realidade... - tá peguei pesado: não vou dizer que é o curso que comporta o maior número de psicopatas homicidas suicidades, porque a minha grande realização é encontrar na Faculdade os amigos mais fantásticos).

(continuando)se alguma coisa está trocada, fui eu que escolhi trocar. Ao menos a minha personagem escolheu beber e alucinar uma aberração para divertir-se com a própria frustração.

Está aí: preciso alucinar alguma aberração. Depressa, porque quero tudo para ontem!

Para ontem!

Alguém aí tem alguma sugestão?