domingo, 14 de dezembro de 2008

Some English Gibrish


De Rômulo B. Victor, um grande amigo
.

Garamond he chooses to write. Those letters really come out right. He wakes up in the middle of the night. She says "please lie down and turn off that light".

Senseless words form a senseless man. The incredulous one still believes he can. And he keeps trying over and over again. And no one bets in the work of Old Stan.

He tries a poem and he tries a novel. The wife throws him the shovel. He finds all this disbelief absolutely awful. His wife only cares for the hovel.

He tries hellos and he tries goodbyes. He tries pineapples and apple pies. He tries croissants and marble ryes. Yet, all he gets from her is some "nice tries".

Actually, senseless words form a dreaming man.


terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Brincando de odiar

Assim como o mar
guarda em si tanto sal,
guardarei dentro de mim
todo o seu mal.
.
..
...
Mas nada do que sinto
perdura ao absinto...

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Sobre um tipo genuíno de libertação*

Sempre tive uma mistura de medo e aversão às críticas literárias. Detesto moralismos de escrita, ou regras sobre escrever 'bem' - como se fosse possível qualificar todas as espécies do sentir humano. Só que meu orgulho, às vezes, me faz ter vontade de vestir certas idéias com feições de argumentos de autoridade: porque em uma ou outra hora me cansa ser sozinha nas minhas opiniões. Inclusive naquelas sobre uma das coisas de que mais gosto: boa literatura!
Às vezes sou leitora compulsiva. Se não tenho o que fazer, arranjo, e um bom romance já me dá muito o que imaginar. De vez em quando, repito algum que me tenha marcado - e é bom que se diga que nunca! é a mesma coisa.

No final do ano passado revisitei o Admirável Mundo Novo, de um tal Sir Huxley. Vi novamente um futuro em que pessoas são divididas em castas determinadas por genes de 
beleza, saúde, inteligência, ou de uma inferioridade sem vigor ou brilhantismos de raciocínio. Dos alfa aos ipsilones, uma coisa permanece a mesma: o pensamento se confina a uma série de frases em gravações repetidas durante um sono sem ambições. 
Querer mais que isso!? Que Ford perdoe os hereges!
E entre essas frases prontas, seres sem identidade respiram coerção - rumo à promiscuidade, literalmente... 
Sim, coerção, porque aquele incapaz de ser promíscuo, em tão 'admirável' lugar, é o imoral (algo bastante parecido com certos ransos de machismo tupiniquim, não?).
Impossível percorrer a história sem sentir a crítica de Huxley a esse mundo de promiscuidades. Seria então, ele mesmo!, puritano? A biografia do autor responde claramente: não! (e haja cocaína para enfatizar essa negação!).
Se essa resposta é uma negativa, qual seria, portanto, a explicação para tal crítica?

Não sei se Huxley leu Hesse. Mas eu li, e achei a respota. Não uma resposta correta, mas a minha resposta! - em uma edição de O Lobo da Estepe (que me caiu perfeitamente depois de reler a utopia às avessas de um tal lorde).

Harry Haller sentia-se meio burguês, doméstica, moral, intelectual e comodamente burguês, meio Lobo da Estepe: animal solitário, furtivo, desconfiado, inimigo declarado de tudo o que mais amava a sua outra parte acomodada. E a solução para alguém encurralado entre ser uma coisa, e ao mesmo tempo o seu perfeito oposto, nada mais poderia ser que entender que, se o ser humano pudesse ser dividido entre suas muitas partes, certamente o número de seus pedaços seria algo muito maior - e muito mais fantasticamente complexo - do que... dois!
E porque se precisava dar voz ao que têm de mais sincero em si, foi bom que o Lobo saísse de sua posição de recato e se apresentasse a si mesmo como alguém capaz, promiscuamente capaz, de rir.

Pode muito bem parecer existir toda discordância entre Huxley e Hesse. Crítica em um se lança á promiscuidade, em outro, ao puritanismo. A questão, porém, não está no que é melhor, mas no que não é sincero.
Em Admirável momento, tinham o oposto da adimiração os que se apaixonassem, assim como também os que questionassem, que se mostrassem inquietos, que tivessem vontade de gritar todo o descontentamento: que não poderia ser calado por um grama de soma. 
E o Lobo acreditava ter de se amordaçar manso, amordaçado em silêncio - ou cruelmente ácido, mesmo quando se admirasse sua vista com a delicadeza sem propósito de um vazo de pinheiros ao pé de uma porta simples.
Que o superficial não engane. Hesse e Huxley conversam em suaves vibrações de entrelinhas, que depois de percebidas se traduzem em uma agradável melodia. Limitar-se ao puritanismo de dividir a alma em duas, ou negá-la, fazendo da identidade um conjunto de crenças que são apenas frases repetidas inconscientemente é prisão! Moralismo que acorrenta o ser que por dentro quer sentir-se liberto. Devassidão que não respeita a vontade de um nostálgico suspiro...

...

E chego à conclusão de que bem, muito bem, encontro entre animais furtivos e mundos nem tão novos assim um pouco do meu próprio ver e sentir isso que costumam chamar 'moralidade':

Imoral é o que nos impõe outros - burgueses ou lobos, ou gramas de uma droga que finge tragar tudo o que for tristeza.

E não entendo o que pode haver de imoralidade no que for traço sincero de alma em expressão: simples exercício de um viver autêntico.

Gostaria de apresentar aos carolas a maravilha de um Grande Teatro, cheio de magia libertadora - em que cada um faz de si a sua própria vontade. E gostaria também de esfregar às fuças dos libertinos o sentimento de vazio que tantas vezes paira na Admirável solidão de tantos corpos juntos - sem que haja tempo para serem apresentadas umas às outras as almas.

Talvez eu seja mesmo gente de alma autoritária, ao menos com quem, também autoritariamente, relata os feitos alheios com vozes de censura. Mas para fazer impor esse meu horizonte de uma liberdade autêntica (a sinceridade de agir conforme o próprio sentir), eu cairia em contradição - o que não posso fazer: já assumi o compromisso de ser sincera comigo mesma.



*Depois de reler este texto (algumas vezes), percebi que certos pontos dele me cansavam. Não pelo que expresso em idéias, mas porque talvez a linguagem estivesse ela mesma muito presa para fazer juz ao que eu queria dizer. Só por essa coisa minha de querer também neste ponto ter alguma autenticidade, resolvi mecher aqui e ali - e não escrever como se fizesse uma tese pseudo-acadêmica (merda de praga, que costuma pegar muito bem em pretensos - e pretenciosos! - estudantes de direito!).  Assim, a última versão (essa que você acabou de ter a paciência de ler), foi (re)editada em 05 de dezembro de 2008.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Luz Fantástica

"No Discworld, Morte era um tradicionalista que se orgulhava de seu trabalho e passava a maior parte do tempo em depressão, por não ser valorizado. Ele chamava atenção para o fato de ninguém temer a própria morte – mas a dor, a separação e o esquecimento – e dizia que não era justo atacar alguém apenas porque tinha órbitas vazias e um prazer secreto em realizar seu serviço. Também argumentava que ainda usava a foice, enquanto mortes de outros mundos já haviam investido em máquinas de ceifar".

A LUZ FANTÁSTICA, (pág. 103)
Terry Pratchett
Conrad Editora

sábado, 4 de outubro de 2008

Considerações sobre a cidade ad hoc

O sotaque vazio
É o maior dos milhões
Baldios transeuntes:
Os terrenos.

Beleza não há,
Nem orgulho pra ter
De viver monossílabo,
Todos pretos ou brancos.

Já o rio falecido deixou
A chuva viúva que segue
Chorando sobre muitos
Noés sem arcas.

As artérias caóticas,
No muito, entupidas,
Convulsivamente
Enfartam.

E em dias de abundantes
Horas de menos
É impossível ser feliz
Sob um céu sem estrelas.

domingo, 21 de setembro de 2008

Divagando um pouco...



De vez em quando é bom sorrir uma música. Como dizer uma frase sem sentido e sonhar que é poesia.
Ás vezes é bom comer um pouco de sonho.
Dizem por aí que é indigesto. Sinto informar, tenho ótimo estômago. E mãos grandes.
Gosto de sorrir melodias. Melodias não são apenas sons largados. São sons conversando entre si, em uma variável que envolve tempo: ritmo!
A intensidade. Aí, já uma questão de capacidade. Quem seria capaz de chorar quando o tom for menor? Maior é fácil que eu dê a minha gargalhada.
Estou sonhando em fazer poesia, apenas para perder um pouco de tempo. Tempo!
Bom ter algum tempo de solidão, para digerir uma boa música, que em sonho bons estômagos serão capazes de sorrir. Mas esse tempo não pode ser infinito: ou quem poderá ver o sorriso da música sentida quando se estava só?

...

Sugestão: Assistam Na Natureza Selvagem ("Into The Wild"). Detesto quando dizem que se tem que gostar de alguma coisa - ainda mais quando essa alguma coisa pende a intelectual. Então, não vou dizer "adorem Na Natureza Selvagem", mas apenas assistam, isso não me custa pedir!

...

Ás vezes para mim música, mesmo sendo triste, é sinônimo de felicidade! E "happyness only makes sense when it's shared", ou a mesma coisa em palavras um pouco diferentes.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Os diários de Orwell

Achei algo bem interessante e desconhecido por mim até então. Trata-se dos diários de George Orwell, disponibilizados em um blog pelo Instituto Britânico Orwell Prize. Pelo pouco que li, quase não reconheci o Orwell que me fez repugnante em "A revolução dos bichos". Depois dessa, sinto uma identificação (qual presunção a minha!) ainda maior entre os Arautos e este novo senhor (que ainda conserva um PH bem menor que 7).

O link: http://orwelldiaries.wordpress.com/

Abraços

domingo, 7 de setembro de 2008

Poema XXIV do meu Segundo Caderno



Quem me sustenta,
leve que tanto
não sinto,
me tocar a fuga
onde não fui a
pretensão de ser
só.

Não se pode ser
na ausência de sentir

tão leve o peito
pesa,

quase tanto
um abraço,
que escrevemos
nossa espiral
de nos voltarmos à surpresa de nós.

O que tem de
ser:

a suíte dos acasos

- me canta a tua
melodia -

nosso tema
tempo
se modifica,

e apagamos
a lâmpada

do abajour:

a borboleta voa,
insustentável leveza

de sermos.




(Só espero não ofender o romance com este poema: mas morri de vontade de escrever quando terminei de ler. Precisava, e não sei porque preciso mostrar esse monte de versos agora. Simplesmente me deu vontade: vou em frente!)

sábado, 23 de agosto de 2008

Apologia ao Cinema Sentimental


Vou fugir um pouco do costume dos Arautos, e me dou agora ao divertimento da folga dos meus eus-poemáticos. Se existe mesmo separação entre autor e personagem, esta crônica é interpretada pela personagem da própria autora. Se é que eu mereço me chamar de autora de qualquer coisa........... (aqui várias reticências são necessárias!)


Fui a uma locadora de filmes. Queria encontrar "De Olhos bem Fechados". Só porque já assisti algumas coisas do Kubrick, e não conseguia imaginar como seria qualquer outra feita por ele que não fosse ficção científica.
Encontrei o que queria. E algo mais.

Como patética incorrigível que sou (e indecisa também!), não consigo sair desses estabelecimentos com menos do que dois ou três DVDs, ou não levo nenhum. E entre as minhas escolhas é claro que não faltaria algo de cheiro água com açúcar - isso eu não escondo.
Mas no meu caso até mesmo o que é tão meloso pode ter suas especificidades.
Por exemplo... Eu poderia ter escolhido alguma coisa que soasse como "O Amor de Nossas Vidas blá blá blá", o que não deixa de ter um pouco a ver comigo, pena já ser nota muito destacada nessa melodia semi pobre holywoodiana.
Não.
Escolhi um filme que originalmente se chama "Martian Child". Por que?
A minha queda por ficção científica? Este não é exatamente um filme de ficção científica. E, sinceramente, também não sou nenhuma fanática. Na verdade, acho que não sou fanática por nada, nem aficionada - não sou do tipo que faz coleções ou conhece até o mais obscuro ruído orgânico da vida de um ídolo. Apenas me interesso. Por muitas coisas. Algumas aparentemente imisíveis, como seres do espaço e bossa nova.
Pois que deixemos a bossa para outro momento (com todo o perdão dos conectivos inadequadamente utilizados!), e voltemos aos seres do espaço. Só porque hoje eu me sinto quase espacial!

...

http://www.newline.com/properties/martianchild.html

A palavra extra-terrestre se auto define. Aquilo que é extra, que vai além. Pois imagine só a história de uma criança que vai tão além - a ponto de achar-se a si mesma algo extra-este-mundo.
Creio que, em verdade, vez ou outra qualquer um que tenha seu mínimo de sensível pense em si mesmo como extra. E extraterrestre, ainda, se sentirmos a vida como aquela monotonia aparentemente sem sentido. Talvez eu mesma aja como o garoto de marte quando, sem vontade de pensar na loucura de todo dia, me dedico à minha própria. Nem sempre consigo dar a ela os contornos e formas dos personagens que quero. Talvez eu ainda não tenha apreendido a fantástica "técnica" de sentir o gosto das cores. Mas bater incansavelmente fotografias surpresas de qualquer coisa pode ser um hábito que eu e esse curioso protagonista tenhamos em comum.
O engraçado é que eu não sou como ele, mas ainda assim sei exatamente como é ser como ele. E isso me lembra uma melodia rock derrotada cantando "In Love With The Alien", que já foi trilha sonora de uma crônica do meu antigo blog.
Seja lá o que esse mito do alienígena signifique, e que essa capacidade alien de ir tão além da Terra a ponto de se estar sempre a trombar com ela em uma surpresa meio que libidinosa possa ter a ver com uma fuga do "id" em relação às mesquinharias do "super ego"...
Eu digo que... vale. Vale sim a pena dar-se de presente ver um filme que não seja um enredo de brutalidades (ainda que muitas vezes necessárias) desse cinema inteligente assustador. Vale até alugar um DVD cujo título em abrasilharado é "Aprendendo a Viver" (concordo, péssimo mesmo!). Porque o seu original, The Martian Child, baseado no livro homônimo de alguém como um roteirista de Startrack, é extra. Extra emocionalmente bonito. Tem suas cenas dispensáveis, claro (John Cusack vai bem como pai adotivo e escritor esquisito simpático, qualquer coisa galã... melhor deixar para lá...), mas fica no Imprescindível uma história "real", que faz até parecer adequado recorrer ao clichê:

"a arte imita a vida". -

- Só porque sem vida, não há que haver sentimento, e eu não vejo arte, por mais inteligente que seja, sem a fantástica-marciana-extra-capacidade de sentir.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Odes à mãe ausente

Estas são as últimas. Prometo.



VII

É a língua de Camões a mais bonita,
Mas não por ser a língua de Camões,
Nem por ter sido amante de Pessoa.

Não por seu sangue latino escarlate,
Por seu passado de glórias marítimas,
Suas conquistas e suas tragédias.

Não por tantos amores impossíveis
Ou por tantos amores desgraçados
Que digo ser a mais bela entre todas.

Não a amo, no entanto, por ser tão bela.
Com ela é que posso sentir saudade
E só com ela, por isto bela, amo.


VIII

Em toda partida no porto
Aquele que segue e aquele que fica
– Sempre aos pares são os que partem –
Na despedida, a dor, com sal expurgam.

Não chores, minha amada mãe,
Por teu filho que fica, mas que parte.
Não temas pelo cais do porto
Pois em todo adeus, Deus está presente

Machado

Os sites abaixo trazem coisas bem interessantes sobre o sempre foda Machado de Assis.
Para quem não conhece, o "Domínio Público" disponibiliza gratuitamente as obras do mestre. Já o site produzido pela Unesp traz algumas curiosidades e links que valem a pena. Espero que apreciem.

http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp

http://www.machadodeassis.unesp.br/

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

PELE

Jantar de domingo.
As sobras do almoço expostas sobre a mesa em vitrines de plástico transparente, santificadas tupewares. Em um canto uma garrafa aberta de vinho, e dentro dela pouco sobrando do líquido quase vermelho quase roxo. A toalha branca lacônica aceita em sua simplicidade áspera as manchas vermelhas do molho do macarrão derramado. E sobre os pratos de vidro azul, muito azul, anil reciclado, os talheres cruzados, como uma espécie de lápide da refeição encerrada.
É o momento da conversa cansada.
Geralmente trivialidades. O time de futebol que perdeu, o novo namorado de fulana, aquela notícia de jornal...
Há também dias outros em que se ri muito. Aquela piada que contaram, como era mesmo?

(E o cachorro olhando do lado de fora da porta, ele uiva implorando por um pedaço de qualquer coisa suculenta que podem ser que lhe dêem, pode ser que lhe neguem.)

Nesse dia a conversa não era uma trivialidade alegre, mas uma espécie incômoda de discussão de família, daquelas que vai chegando como uma espécie de invasor alienígena e logo faz a abdução das risadas de costume. Quando será que vai devolvê-las?
Ah, nesses momentos só Deus, deuses ou as forças sobrenaturais é que sabem. Como sempre, há quem abocanhe, tal qual se morde um suculento filé, os mais ferrenhos argumentos, e vai querer discutir até levar um belo tombo emboscado na falta de bom senso. Que é para onde se costuma ir, nessas situações.
Há quem sadicamente veja graça em tudo. E há, felizmente, quem se aborreça: amém, ainda resta alguma sensatez!
Existem os aborrecidos que se metem a por panos quentes. A esses eu retiro a qualidade dos sensatos. A dor de cada um é a dor de cada um, mesmo que seja uma dor burra ou mesmo imaginária.
E existem também os aborrecidos que preferem se calar. Omissão? Talvez, mas é muitas vezes melhor do que intromissão. E se não é por mal, que por bem se omita aquela opinião que nunca será ouvida, ainda que dê socos de boxeador no orgulho alheio: Se pedirem uma opinião, diplomacia...
Ou fuga!
Pois os aborrecidos calados, muito freqüentemente, costumam fugir. Um finge que vai ao banheiro. Outro se lembra de que esqueceu algo de que se lembrava, mas de que não se lembra mais. Outro conta as rachaduras de um teto. E conheço até o caso de um que resolveu tentar a telepatia com uma lagartixa, pobre réptil inocente, estirada na parede laconicamente tão branca quanto a toalha.
(Sem deixar de citar, claro, a possibilidade de ir consolar o pobre cão esquecido para as deliciosas sobras dominicais – porque deve mesmo ser muito ruim comer ração enquanto todos devoram lasanha!)
Naquele dia houve outro exemplo muito bonito de fuga.
Trata-se da divagação filosófica sublime, sublimemente superior em sua... superioridade, só para poupar mais adjetivos. Fingir a própria intelectualidade é algo muito divertido, ainda mais quando se pensa que excesso de intelectualidade às vezes é algo bem besta, bem forçado, bem antipático e bem ridículo. No caso, são pensamentos silenciosos, que não ultrapassam a fronteira barulhenta das cordas vocais.
Então o ridículo é aquele que existiria no julgamento de outras pessoas, se pudessem ouvir ou ver esse devaneio íntimo.
Devaneio em que se constroem imagens cotidianamente surreais. Como em um filme de Fellini, talvez. Ah, a tragédia do bom humor. Realmente, percebe-se que o vinho escolhido não era dos melhores: muito ácido!
Aliás, o vinho! Quanto de imaginação ele não rende. Taças seguradas por braços entrelaçados, e lábios libidinosos a roçá-las. Vinho não é inocência, e se Eva fosse mais atrevida teria oferecido um cálice a Adão, e não uma simples maçã. Mas não é nossa função aqui reescrever a Gênese. Porque não queremos dar origem a nada e, francamente, quem é que tem paciência para discutir religião, ein? – Aliás, essa seria uma boa péssima pauta para um conversa de fim de jantar dominical. -
Não, não haveria paciência para esse assunto nem nessa ocasião – mas é óbvio que os ânimos iriam se exaltar, não?
Não!? Ah, também isso eu não quero discutir! Estava falando de filosofações e vinho. Vinho dos erotismos. Vinho dos glutões.
É claro que hoje falar em glutonice parece coisa muito antiga. Havia os glutões medievais, hoje temos o estereotípico do gordinho branquelo norte-amarericano que devora potes de cinco litros de sorvete vendo vídeos de ginástica, como aparece em filmes clichê e vai ver é bem assim pelas bandas de lá, e pelas de cá também (por que não?).
Mas se penso em vinho e me vem à cabeça a glutonice, então associo uma coisa com a outra, porque tenho que dar vazão à sinceridade no que escrevo, ou não vale muito a pena escrever. E como já acho que não tem muita valia isto aqui, ponho a glutonice no meio da história e pronto!
Pois bem... olha só que acontece que ela vem bem a calhar:
Em um dos pratos estão restos de pele de frangos. Pele de frango desprezada - super gordurosa! Daquela gordura que não se esconde, mostra a cara grudenta sem o medo do desprezo. O dourado sujo da pele assada, frita, mais do que morta. Mostra a sua textura viscosa, espécie de verniz que não pode indicar qualidade de tintura cor de nojo!
Tem quem goste. Tem, aliás, de tudo no mundo. Mas olhar para a pele do frango, olhar para um verdadeiro ultraje escandaloso à saúde vascular de qualquer cristão (por que os crentes de outras fés ou os não crentes não tem problemas circulatórios ou por que glutonice medieval remete às culturas cristãs?). O prazer da mastigação, o martírio de um infarto: como é dura essa emboscada, esse dilema humano, demasiado humano!
A garrafa de vinho ao menos é bonita. A pele de frango quando esfria é inegavelmente nauseante até para os que, quente, adoram destroçá-la ainda mais entre os dentes.
E então é que eu, no meio áspero da discussão, ouvindo... ouvindo, tendo vontade de falar para logo depois ela se transformar na estóica preguiça de quem sabe que emitir opiniões muitas vezes é jogar lenha a fogueira que já está bastante alta, me entrego a esse devaneio. Dou razão a x, e y que me perdoe – digo isso de passagem, só para cometer uma omissãozinha de quem não quer ver cabeças rolarem, mas também não está a fim de brincar de país das maravilhas colocando panos quentes, ou melhor, panos mornos (porque ao menos o quente escolheu qual lada guiaria os seus juízos!).
E para não deixar o que penso ultrapassar a minha garganta, já que não consigo a temperatura do sentimento ameno, olho para o vinho e para a pele suja das galinhas mortas.
Quando criança gostava bastante da pele depenada e depois frita delas, especialmente a das asinhas que eu comia segurando com a mão para depois lamber os dedinhos. Foi que ganhando idade eu criei amor pelas minhas artérias, e numa espécie de chantagem emocional saudável as gorduras saturadas passaram a ser minhas eternas inimigas. Meu estômago comprou a briga, e passou a revolver-se todo com a aproximação de tais tecidos agressivamente gordurosos e engordurados. Sem dúvida, uma revolução em minha vida.
Revolução essa capaz de causar certo... nojo, ué! Basta pensar naqueles frangos sujos de “televisão de cachorro” que ficam girando, girando, girando...

...

O que até uns meses eu não sabia era que os mendigos, pessoas, também eles ficam esperançosos com as avezinhas mortas giratórias. Assim como talvez o meu próprio animalzinho de estimação fica à porta implorando com os olhos que lhe dêem alguma coisa – qualquer coisa! – para comer naquele momento.
Eu amo o meu bichinho. Será que poderia vir a amar um mendigo?
Uma vez dei umas moedas a um deles, enquanto guardava na carteira umas duas notas de cinqüenta reais (cinqüenta reais!). Ele sorriu bem aberto, e eu fiquei com uma felicidade hipócrita de pessoa caridosa. Fiquei feliz mesmo.
E...
...me ocorreu que ele poderia ser um bêbado!
Pronto, dei dinheiro para a cachaça, alimentei um vício, eu que queria tanto ser uma alma caridosa!
Pensei bem em quem era eu para julgá-lo. Pobre coitado: ele ou eu?
Sem resposta, resolvi aliviar ainda um pouco mais a consciência (será que não deveria deixá-la mais pesada, não?). E o que ele iria comprar quando juntasse algum dinheirinho?
Pão.
Pão francês.
Por que com um pãozinho barato, ele iria a algum restaurante barato, esperaria o último frango barato da televisãozinha de cachorro ser vendido. Então o atendente do estabelecimento lhe daria as sobras de pele que caíssem durante o processo giratório – o espetáculo dos cães sem endereço. E, então eu sabia, também dos homens sem endereço!
Ah, e fugindo da discussão de fim de jantar de domingo, eu me lembrei do sorriso simpático – sim, simpático - do mendigo. Então pensei que ele ficaria feliz com os restos largados sobre o prato azul. E a glutonice (se ele soubesse o significado dessa palavra, ou se o ligasse a ela) a que me remetia o vinho, para ele seria na verdade o luxo!
... Aquele luxo inalcançável, tanto quanto o consenso em uma guerra oral - ao fim de um jantar de domingo...
Para o bem de minha consciência, da qual aqui já falei demais, seria bom que eu não tirasse conclusões desse fato, ou dessa triste associação que fiz:

Encerro por aqui.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Odes à mãe ausente

V

É tão inoportuno o meu pensar no após,
Ser onírico sou.

Com a morte inquieto-me e não com a vida
Que segue e por mim passa.

Sempre assim é: quando estou cá, não mais estou.
E se estou, não sou mais.

Quando o perfume sinto das folhas que caem
Vislumbro a primavera

E assim que floresce a primeira rosa nossa
Vermelha, vejo-a murcha.

Se há chuva, quero um sol brilhante bem acima
Só pra ver o arco-íris.

Quando o vejo, contudo, não o vejo mais
Pois pelo seu fim temo.

Aquele que, como eu, no amanhã sempre vive,
Certo não viverá,

Já que para os deuses não há sujeito oculto.
Só há sujeito omisso.



VI

Não podemos esquecer de que queimam
Tanto o frio quanto o calor,
De que cegamos quando há escuridão
Ou para o sol olhamos.

Devemos reter na memória o choro
De alegria e tristeza
E lembrar que as árvores perdem folhas
Mas voltam a florir.

Há dor, portanto, na vida e na morte,
E dela não há fuga.
Feito as árvores somente sejamos
E a florescer voltemos.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Dalí que vem História


Sempre disse a tia, tome cuidado: história é História; estória, outra coisa. E nas provinhas de redação todo mundo ficava pensando o que se queria dizer, se era da relevância de um "H" atemporal, ou coisa besta de um "e", tão pessoal.
Depois já de adolescente, um professor, muito amigo meu, disse que essa hi/estória não tinha nada a ver, e que eu escrevesse como bem entendesse. Se o texto fosse bom, digno de começar com consoante, não seria uma vogalzinha ali, perdida, que ia fazer o leitor perder o interesse.
Dessa discussão de primário, veio-me uma reflexão, meio confusa, eu acho, mas que ficou. É que sempre tive a mania de descrever, para mim mesma, na minha cabeça, as imagens e os pensamentos que iam tecendo o meu cotidiano - como se me contasse o que acontecia comigo. Coisa de gente bem besta, é verdade, e que me rendeu a fantástica mania de, antes mais freqüentemente, agora um pouco mais raro, me esquecer falando sozinha, até em lugares públicos.
Acho que é daí que vem a minha mania de sempre me refletir em um agrupados de palavras, à maneira de (sentir de) um certo Pessoa, botando as minhas dores e alegrias reais em dores e alegrias mentirosas. E a partir daí, a minha grande mentira de futuro, o meu "sonho", por assim dizer, passou a ser fazer das minhas estórias algo de História.
Um pouco de pretensão, é verdade. Mas é como aquela coisa do garotinho raquítico que quer ser astronauta, do perna de pau que quer ser Pelé, da adulta que quer ser bailarina sem nunca ter dançado balé.
Os meus textos são raquíticos, e de tamanho para um livro lhes falta pouco mais que volume. Sou perna de pau das letras, do tipo que até se vira em um ou outro drible, mas tropeça ao correr a trás da bola - e um gol bonito de se fazer, fica só na vontade. Posso até dançar a rumba, o mambo, sapateado, a tarantella! e os sete véus, até... Só que na hora de despir a linguagem, falta um pulo, um salto, um arabesque que me faça a prima bailarina de um "pa-deu-deux".
Se eu ouvisse, ainda, a tia da escola, ia estar fazendo outra coisa, agora, agora mesmo. Quem sabe estudar os protocolos do que é Direito, o que é direto, o que todo mundo faz. Não ia pensar que um "his" cabe onde passeiam os tantos "es"s das minhas indecisões diárias.
Eu, no entanto, mando a tia à mer**. Ela me escandiu o primeiro versinho, e se esqueceu de me contar o que era lá a ousadia, que a gente tenta, só porque tem vontade.
Querer vitória*, no fim das contas, tanto me fez quanto não me faz. Porque, como me disse o meu professor amigo, se no meu palavreado algo de maior importância houver, não faz diferença como vão chamá-lo. Se não houver, ninguém vai se lembrar dele - só eu, que nele fui astronauta, fui Pelé, fui bailarina.
E penso que assim deve ser, não só com a minha estória: a História é tentar.



*("Olha lá quem sempre quer vitória e perde a glória de chorar")


[Imagem: Dali - só porque eu gosto de surrealistas, tudo bem a que relação com o texto não é "muito" direta: sejam criativos!]

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Quem era o herói

Era,
qual peito erguido
quem do céu pudesse chamar
realidade.
Qual o sonho
cortas as nuvens.

A Gargalhada
Primordial?,
ela nunca foi dada
- antes da beleza
quebrou-se o espaço
na fixação de...

estilhaços.

Quem era o herói?

Ladrões de humanidade
me perguntam,
quem tinha a tecnologia
de tudo
fazer-se tão pouco
em

Fuga:

a antítese de ser.

Quem herói,

quem não
foi,
nas passagens
humanas.

Quem de impulsos
elétricos
pensados na
carne
ou fora dela
criados,
esqueceu
ao chão
pisada e apodrecida
tão bela a polpa
de uma tal fruta

proibida.

(nada)


[imagem: René Magritte]

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Viver e amar

Deus, a quem sofreu
a vida deu.
Deus, a quem não amou
a vida tirou.

Mas porque todo amor
termina sempre em adeus?
E porque toda dor
parece sempre infinita?

Sabemos que tudo passa...
Não fiques aflita.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Desabafos Climáticos - O fim da Viagem?





"Vento de maio
Rainha de raio
Estrela cadente
Chegou de repente
O fim da viagem

Agora já não dá mais
Pra voltar atrás
Rainha de maio
Valeu o teu pique
Apenas para chover
No meu piquenique
Assim meu sapato
Coberto de barro
Apenas pra não parar
Nem voltar atrás

Chegou de repente
O fim da viagem
Agora já não dá mais

Vento de raio
Rainha de maio
Estrela cadente
Chegou de repente

O fim da viagem
Agora já não dá mais
Pra voltar atrás
Rainha de maio
Valeu o teu pique
Apenas para chover
No meu piquenique

Assim meu sapato
Coberto de barro
Apenas pra não parar
Nem voltar atrás
Rainha de maio
Valeu o teu pique
Apenas para chover

E se eu escuto no rádio do carro
A nossa canção Sol, girassol E meus olhos abertos
Pra outra emoção
E quase que eu me esqueci
Que o tempo não pára
Nem vai esperar

Vento de maio
Rainha dos raios de sol
Vá no teu pique Estrela cadente
E até nunca mais
Não te maltrates
Nem tente voltar
O que não tem mais vez
Nem lembro o teu nome
Nem sei Estrela qualquer
Lá no fundo do mar
Vento de maio
Rainha dos raios de sol"

(Telo e Márcio Borges - vale a pena ouvir as gravações da Pimentinha cantando essa música)





Despedem-se os Ventos de Maio. Ainda que possa haver Vento de Maio em qualquer mês com notas de outono.
Mal há outono no Brasil. Ventos secos na Metrópole Paulistana, a umidade que vos fala é da alma.
A Alma de Maio não se despede. O reinado dos raios sem chuvas permanece, muralhas de pedras cobertas por margaridas. Bucolismo intrinseco das almas cibernéticas das grandes cidades.
Acidente que se chegue junho. Que se faça quase o inverno dos Trópicos a ilusão de frio que as almas alheias ao gelo sentem.
Alheias ao gelo, fisicamente falando. Talvez em Alma, de qualquer tempo, saibam o que é gelo. As almas de Maio: convivência do gelo imaginado, da umidade de sentimentos, e talvez de um congelamente em estagnação que convida a querer ir além.
Espero que fiquem o Ventos de Maio. De qualquer modo, tenho de dar as boas vindas às Frentes Frias de Junho, com cachecóis, gorros e esperanças.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Da Paulista com a Consolação - lembrança da borboleta Azul.

(versão dois - por favor, peço perdão pela primeira, ainda maaais amadora!)

Parada, esperando o ônibus. Cruzamento da Avenida Paulista com a Rua da Consolação. Estou fisicamente cansada, e ainda é segunda-feira.
Acabei de ler uma frase interessante em uma modesta losinha, exposta na vitrine da venda subterrânea de livros que aflora nessa esquina. Alguma coisa meio assim "às vezes não se deve sacrificar o erro para não se sacrificar a verdade" - Goethe.
Gostei!
Nunca li um livro dele. Mas acho que se lesse, também gostaira, e por isso ele bem vale um citação - só porque me cativou essa frase. Só porque eu, querendo sono, querendo cama, não aguentava mais o barulho paulistano e vieram umas palavrinhas: uma bonita combinação de notas, uma melodia de São Paulo.
Penso que gostaria então de estar em casa. Não para os travesseiros, mas para o teclado do meu computador. Gostaria, para falar do Goethe que eu não conheço. Talvez me divertir um pouco fingindo a intelectualidade que não tenho.
Gostaria, também, porque olhando no nada nada os carros iluminados cortando o asfalto escuro, me lembro de uma cena: recente, delicada, bonita.. E azul - boa também para o tal teclado.

Final de semana. Enfim, descanso, praia! Banho de sal não era perspectiva das mais animadoras, o tempo ainda não tinha se decidido entre quente e frio. Vento, sim, só que com o céu bem limpo, bem limpo...
Andava de chilenos, cabelo desarrumado, camiseta velha. Na beira da estrada que vai paralela à linha do mar. Queria comprar um jornal numa dessas vendinhas, ler sentada na areia, e poder olhar pra água e ouvir mais alto o barulho dela indo e vindo quando me enchesse de pensar nas desgraças que se comunicam diariamente.
Ia olhando aquele monte de bonitas plantas nativas. Exuberantes?, não é a verdade do presente - dá pena pensar no que já se foi delas - mas a paisagem ainda não deixou de ser agradável.
Sei lá porque, olho para as minhas havaianas e para os dedos feios dos meus pés. E perto ali, vem uma surpresa.

Sempre gostei de borboletas. Em especial de uma azul. Um azul roial, meio furta cor, que tem um brilho meio verde, e parece meio claro e meio escuro ao mesmo tempo. E me aparece esse tom em asas bem ali, na frente do meu feio chinelo de borracha.
O que eu não sabia é que essa mesma borboleta, essa espécie de borboletas, quando fecha as asas é marrom, de parecer casca de árvore ou folha seca caída. Bonita de qualquer jeito, mas é a parte em cor viva que mais atrai (metáfora besta: mostramos o comum, e o que há de mais bonito surge na liberdade do vôo - perdoem a pieguice!).
Fiquei feliz em vê-la. Como se aquilo fosse um sinal dos deuses, uma dica do tipo "tranqüilize-se, aparecem borboletas azuis inesperadas" (porque eu sempre vejo as amarelinhas miudinhas, ou aquelas laranjinhas simpáticas, que vão cumprimentando as flores também laranjinhas do matinhos, cultivando uma delicadeza de diminutiovos).

...

Ah, a borboleta parecia machucada! Até os bicho bonitos se machucam! Isso me lembra que a dureza de todo dia arde até nas borboletas. Que são lindas mesmo sendo insetos, mesmo se já foram suculentas lagartas (que para muitos são uns seresinhos nojentos!).

Eu, borboleta, lagarta? O que há de nojo, o que há de belo (há qualquer coisa dos dois?)! Agrada-me de pensar nisso - foi assunto de uma crônica ruim, e ainda assim melhor que esta, que escrevi com quinze anos, e de que gosto muito. .
Assim como gostei de ler a frase do Goethe - podia ser de qualquer desconhecido aí, aliás, vale porque é uma boa frase. Ponto final.
Foi frase borboleta. E azul!, ainda que em ares litorâneos muito mais se faça azul. Aqui, São Paulo, pó, correria e barulho que não é música.
Mas tem vida que é música. Tem palavra que é música no cruzamento da Paulista com a Consolação. Tem memória de borboleta de cor viva que do outro lado é marrom, que é linda, e que se machuca.
Tem loucura e falta de senso crítico meus, suficientes para colocar isso em escrita. E assim se possibilita desejar boa noite ao mundo, concretizada a ainda presente vontade do ponto de ônibus. Posso enfim dar meu sorridente "oi" aos travesseiros.

sábado, 17 de maio de 2008

Odes à mãe ausente

Seguem mais duas Odes.


III

É tão curta a passagem deste dia
Que ao nascer já sabemos o poente
Mas não da noite os mistérios
Que guarda na escuridão.

E pra noite de quem nada sabemos,
Inexorável vai nosso destino
Esperando o alvorecer
Na manhã de muitas cores.

E não há nada que fazer, portanto,
Já que todos nascemos no esplendor
Da tragédia assinalada,
Lindos de morrer. Assim,

Resta para os que sob o sol caminham
Venerar do crepúsculo a beleza
Que só há pela manhã
E também no entardecer.


IV

Quero tanto achar-me
Que pela vida erro em busca de mim,
Tão longe de sim e de não, vou sendo
Este andarilho sem teto.

É isto o que somos
E seremos todos, quer queira ou não,
De nosso abrigo materno, uterino,
Pela força, despejados.

Lembranças não são
Nem nunca serão aquelas janelas
Ou mesmo o pátio ou a porta enguiçada
Nem os cheiros saborosos.

Não será possível,
No futuro, do passado eu viver.
Daquela construção nada sobrou
Que não as sólidas vigas.

Pouco ou nada sei
Se um dia, pra morada, voltarei,
Mas a casa que uma vez me abrigou
Em mim, sempre habitará.

domingo, 11 de maio de 2008

Odes à mãe ausente

Seguem duas Odes de uma série que fiz já faz algum tempo. Peço desculpas pelo sentimentalismo do momento.
Em breve, mais Odes estarão desponíveis.


I

Se sei, digo que sei de ouvir dizer
Teu monólogo aos ventos. Eu, criança,
Que aprendi cantigas de teu ninar,
Que disse as palavras que tu disseste.
Mas aquela, tantas vezes,
Aos prantos meus, exaltada,
Primeira entre todas: mãe,
Não é mais pronunciada
Pelos lábios inseguros
De um homem que agora canta
As lembranças musicais,
Ninando-te eternamente.


II


Confundir não deves, amada mãe,
O silêncio, próprio de quem se cala,
Com tua ausência de sons.

Bem sabes que não há pior silêncio
Do que aquele que, calando, diz nada.
Muito disseste, não lembras?

Quando o meu rosto tua mão tocava
E nada! Nada era ouvido – lembraste?
Tu me dizias o mundo!

O teu dizer no passado ficou
Feito estrela que emudece, contudo,
No presente ainda brilha.

Tua voz uma vez dita e não mais,
Segue reverberando em mim, então
Ouça bem: de ti, sou eco.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Romantismo Original


Meus três mil pensamentos
estão equilibrados;
sobre nem tão firme
pedra,
acimentados.

As minhas tantas
visitas noturnas
a eles me oferecem
maçãs,
revolucionárias
guerrilheiras de cada vontade
de ser.

E cada vantagem
que ganho
em não morder
da fruta fresca a sincera
polpa
significa me afastar
dos versos do Éden
- que se vivi,
em outra vida
foi que os escrevi.

Rezo, porém,
da noite o refletir confuso
que chama ao sono,
que das minhas mãos vazias
de outras mãos
queria eu me fazer
sentir plena
- tendo nelas
recipiente calmo
em que coubessem
as três mil cabeças
que me pensam
três mil devaneios.

Talvez essa fosse
a face tua
que se me oculta,
desconhecido futuro,
da efetivação do rito
de crenças imemoráveis.

E quando em ti
eu possuir a quem
dar-te
aquele vermelho
maçã doce
prazer!,
só para ti
ei de cantar
as três mil viagens
que não pude sonhar só

- São três mil segredos,
que não sei a quem contar,
não fosse a ti,
incógnita,
que no sem razão
de gênese
talvez um dia
te farás revelar.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Vermelho Para Bem ou Para Mal

Bem diria a sabedoria popular: as aparências enganam! Dos sentidos, o mais aguçado, a visão. Vai ver que por isso mesmo ela se deu de metida, a se achar com a superioridade besta de pregar peças, nem tão boas assim.

Athos é um exemplo disso. Quem agora o vê, cabeça baixa, todo encolhido, nunca há de acreditar que a sua força física foi-lhe motivo para as mais louváveis e amedrontadoras atribuições de bravura.

Verdade que para isso nem só a visão ajudou. Fizeram seu juízo os olhos, e mais a boca tratou de levar aos ouvidos desconhecidos a inverdade.

E a culpa, coitado, não poderia mesmo ser dele. Primeiramente, porque parece que as divindades que cuidam da concepção e as que tratam dos mecanismos de construção da personalidade resolvem pregar peças ao senso comum.

Ora, se todo mundo pensa que grande número de músculos é motivo de coragem, então vão as duas planejar um robusto ser cheio de seus medos. Ou um franzino valente, que não impõe reverência a ninguém. Mas da genética de Athos, falaremos depois.

Quero agora é tratar da construção de sua frágil persona.

Nosso amigo não teve a oportunidade dos poetas. Nunca foi dado às letras, antes aos bifes de carne suculenta e macia. Mas tivesse a oportunidade de saborear outra suculência, a de um sangüíneo poema, esgarçaria algo como Álvarez de Azevedo entre os dentes, com toda a fúria. Nacos de ultra-romantismo, que iam colorir de vermelho a sua insuportável existência medíocre.

Não é difícil que se entenda essa triste situação. Pois imagine só a vida restrita, toda ela, a pouco mais de vinte metros quadrados.

Vez ou outra, seres esguios e de voz engraçada, o levam a um mundo além. Lugar em que se pode ver um azul de céu mais intenso, e uma variedade de vida verde inimaginável em sua prisão ao ar livre.

Também nesse estranho e fantástico mundo há algo de perigo...

A velocidade de umas coisas grandes e barulhentas, que soltam luzes em alguns pontos, e às vezes um pouco de fumaça.

Que estranho, serem todas tão iguais entre si, cada uma, porém, com sua diferença de formato. Tivesse visão tão traiçoreira quanto a nossa, entenderia ele que também as cores dessas aberrações se faziam em amplo leque, na maior das vezes, de tons escuros. Porém, de tonalidade, ele nada sabe. Só entende de claridade e escuridão e sabe que as chamam de carros, ou, bem de vez em quando, automóveis.

Algumas reluzem quando batia-lhes atrevidamente o sol. O claro ainda mais revelado! Outras, tão opacas, são as que mais costumavam vomitar aquela fumaça, escura!, enquanto seu ronco fosse mais profundo ainda! Aí então ele gritava, nas esperança de que elas o ouvissem.

E olha que não é raro que Athos grite. Especialmente quando chega a noite, e o pequeno espaço em que ele vive, por mais conhecido que fosse, começa a se tornar mistério.

Como preso, raptado não soubesse onde, surpreendido em cela de repente aumentada, e ao mesmo tempo tão menor do que o seu sentir, costuma por entre os dentes algo de choro e de ódio.

Grande coisa! Ninguém ouviria, ninguém nunca ouve!

E se ouvisse, qual seria a diferença? Dificilmente o tiram dali. Permaneceria ele em seu dolorido mistério de solidão.

Houvesse pedaços de carne, fibras se desfazendo como sentia desfazer-se ele próprio, e talvez conseguisse ficar quase calmo, quase feliz:

Nesses momentos não havia carne! Não havia nada.

E era então que a sua robustez se fazia inútil! Ah, quantos já ao entrarem no pequeno espaço de vida de Athos não fugiram ao vê-lo? E não perguntaram, meio entre dentes:

“Não é perigoso?”

Perigoso!? (...)

O perigo da vida chama-se sofrimento. E disso ele não entendia demais?

Qual sofrimento maior que não haver boa alma para se por no seu lugar, morno caos de todos os dias?

E que mal havia que lhe dessem sempre carne?

Por que aquelas bolinhas insossas naquela estúpida tigela?

Porque ter de fazer a cara caber ali naquela coisa redonda, bater na linha dos olhos, em um incômodo de não poder chacoalhar a cabeça de satisfação (ainda que reles, com aquela comidinha terrível!)?

E isso ainda nem era o pior!

Ruim mesmo era quando o mistério da noite escondia até mesmo aqueles pontos azuis no céu preto, que ele sabia que costumavam chamar de estrelas.

Athos gosta das estrelas, e por isso mesmo tem todo o medo delas.

E quando elas se apagam, e algo estranho faz do negro um fundo de tons purpúreos, e alguma coisa de ronco que não era aquele das coisas estranhas que via durante o dia e nem o da sua voz...

...

E logo depois, não é incomum que um risco luminoso cortasse horizontes perdidos...!

Ah, não, as estrelas caindo!

E se uma delas o ferisse?

Sabe que com isso vem, logo depois, pingos gordos de água a baterem-lhe na cabeça. Não gosta, mas disso poder se livrar, desde que se enfie naquele espaço ainda menor, costumavam chamar de “casinha”.

E se o mundo acabasse todo como as estrelas caídas, e ele nunca pudesse conhecer o que não fosse a sua permanente solidão?

...

Desespero!

...

Músculos: ajam! Hajam: músculos!!!

O amplo tórax tem que ser útil. As pernas tem que dar um bom pulo.

Existe um lugar maior, bem ali, além da parede.

Lugar em que não há estrelas, mas há luz.

Lugar em que não cai água, há teto, mas é bem maior do que a casinha.

Lugar que ele sabia ser de onde vem os amados suculentos bifes.

Lugar de onde vem as criaturas esguias que o levam para passear. Que passam a mão em sua cabeça, quase que com libido:

“Onde já se viu, um garoto tão bonzinho!” (Vozes afetadamente infantis!)

Um garoto tão bonzinho, lamentável!

Na compra do filhote, imaginaram um cão de guarda, uma fera destroçadora de desconhecidos...

Pronto, eis que agora faz sentido falar da compleição genética de nosso triste amigo – a que se julga pertencer aos mais ferozes guardiões do homem, a ostentação de força, virilidade, destruição em quatro patas - um Pit Bull!

E Athos, a bem da verdade que viriam a saber depois, um pobre coitado!

...

Não lhe dessem força as suas pernas, não estaria agora ele ali, preso nas grades da janela, colocadas para que não pudesse ele mesmo entrar.

Em seu grande ato de bravura, justamente a covardia de fugir ao próprio medo. Só poderia ter a frustração!

Ele é um nada: resta-lhe gritar e gritar e gritar: uivar! Latir fininho e alto (quem sabe poderia bater em alguma estrela ainda viva, escondidinha?).

Por que achar que ele fosse super herói, corajoso?

Pit bobo, cachorro babão, um tonto carente.

Que não quer mais nada, além de outros horizontes do passeio matinal (que raramente era feito!), de um afago descompromissado na ampla cabeça (e se pudessem caprichar ao passar as mãos por trás da orelha, tanto melhor, até chacoalhava o pontudo rabo de felicidade!), de um bife para afogar suas angústias carnívoras (afinal, arroz e feijão ao menos tem companhia variada no prato de todo dia!).

...

Não!

Ele era menino bobo, um Pit babão!

Preso nas grades da janela, depois de seu pulo frustrado, rumo a entrar na casa de verdade (não na casinha):

“ Athos, saia daí.”

Não!

Não tem jeito. Entalado, faz de novo uso de sua força, agora para sair, pular de volta para fora. É mais difícil.

Para fora, sempre!

Ódio, a força apenas serviu para que o reconhecessem como covarde. Não a tivesse, não teriam o que esperar dele!

Não conseguiria alcançar os ferros que puseram para que ele mesmo ficasse sozinho, no quintal escuro, na noite sem estrelas, na solidão.

...

Não!!!

... (uivo ainda mais agudo.)

Cai desajeitado no chão.

Levanta-se.

Põe a patinha no piso áspero do cimento.

Uma pontada das mais agudas. Machucou-a.

Sangra.

Assim é. Não o sangue dos filés, o sangue dele próprio.

Ao menos aprendeu com as gentes a ser egoísta.

Já que tudo, para bem ou para mal, tem de terminar nesse vermelho tão vida que sempre escorre e escorre e dói, então que ele, como sempre, se ponha para fora, mas na vingança de seu latido uivado... de dor, claro!

Quase como um poema, Athos irrita os ouvidos alheios.

Mas não tem os tuberculosos créditos de Álvarez, porque não o permite o maldito senso comum que apenas vê (maldita visão) o físico viril de fera perigosa.

Engano imbecil: se olhassem em seus olhos cor de mel, veriam a tamanha doçura da sua vontade.

Vontade de amor, de passeios, de afagos, de carne...

Pff! Mas que nada:

“Cala a boca, Pit Bull, alguém precisa dormir nessa casa, seu cagão!”

Casa! :

Não é essa a palavra final a ser colocada aqui, é descrédito. Injusto descrédito!

domingo, 20 de abril de 2008

Depois da festa (com a cunhada)

A Nelson Rodrigues

Mercedes,

Tu és a água da minha vida:

– Insípida!
– Inodora!
– Incolor!

Mas mata minha sede
E eu não posso viver sem!

domingo, 6 de abril de 2008

Da Botânica da Alma (Decoração de Poesia Doméstica)


Tenho lírios abertos
sobre a minha mesa
alegre.
São surpresas
breves de dias desconhecidos.

Um segundo,
seguem-se dores
mundanas
- mendicância na minha alma
mansa.

Nesse segundo
me chamo o limite
ao inonimável.

Janelas abertas
juntam-se cortinas,
corta-se o vento
na violência do banal.

E eu me compro
em lírios brancos:
abordagem branda
de mentiras capitais.

Fossem as dores
do mundo
as dores das pétalas dele
pedaços meus
não partiriam
quando de mim
pétala desvio
o olhar de brancura.

Resta-me janela
ruidos de urbanidade,
calçadas sujas
- outras almas que
se sussurram na vida
a inércia da surra
dos dias.

E resta-me
a mim,
que me prefiro dormir
longe de mim,
Alma que almeja
afrescos de irrealidade:

Alma que põe,
lírios brancos sobre a mesa.

(Inexpressão de liberdade)

!

[10/02/2008]

sábado, 29 de março de 2008

Links

O post de hoje talvez seja o meu melhor. Ele vem para consertar uma falha terrível que nos perseguia. Acontece que criamos, ali ao lado, bem à sua direita, um pequeno espaço para divulgar o blog de alguns amigos de letras. Iniciei, pois, com dois blogs de poetisas fantásticas (a Priscila, do "Cinco Espinhos", e a Cecília, do "Jazz e Suco de Limão"). Só espero que vocês (se houver alguém) continuem a nos visitar depois de conhecê-las.


Boa viagem!

domingo, 16 de março de 2008

Fumegante para quem espera o trem - das propriedades "somáticas" do café*



[Sobre a escrivinhação abaixo:
Acabei de voltar do Roda viva**. Comecei a escrever esta "peça" aqui há quase um mês. Depois, como de costume, larguei. Mas ter ouvido em uma mesa de bar juntas algumas músicas me fizeram ter vontade de enfrentá-la de novo.
Na verdade, não está pronta. Está postada aqui, para que eu possa declarar a minha felicidade quando receber pitacos dos adoráveis desocupados que (amo vocês, seres desconhecidos!) visitam o sítio dos Arautos.]




Personalidades sem vícios são desinteressantes...

...

Com os muitos rodeios que se seguem, explico:

Começo por uma descrição aparentemente sem sentido. Uma vida qualquer, às vezes morna, quase sempre cansativa. Não digo que seja uma vida infeliz, apenas comum. Genérica!, essa é a palavra.

Daquelas que bate cartão às oito da manhã. E isso só porque acordou às seis, corajosamente disse não aos travesseiros, e se entregou à chatice irritante do despertador. Poderia ser, talvez, uma vida de Pedro Pedreiro, com seus sonhos em uma máquina de ferro – que pela probabilidade, está mais para sim que não venha mesmo.

Ou pode ser daquelas que não sai às seis. Pode ser que acorde antes, e vá acordar o seu homem. Ela o sacode, para que andem suas pernas rumo a labuta do mundo de fora. Mas e o mundo de dentro, como fica? Uma casa por arrumar? Serviços domésticos são estafantemente chatos! E quem se sente gente só de viver deles?

Besteiras, contra argumentariam uns, e acredito que em maior parte, umas. Ela discorda porque sente a realidade dos filhos. Do bebê que em um mês dá os contornos de seus primeiros sorrisos. Da menininha nova que adora babados cor de rosa. É verdade. Mas mesmo essa mulher há de ter suas angústias. Elas vêm na forma imaginária do trem em que ela mesma poderia ter ido viajar, mas não foi, porque se fosse, antes, os filhos não teriam sido.

Agora deixemos para lá esse lado doméstico, que não mais é opção única de conduta. Os que fazem samba e amor até mais tarde. Noites quentes de cantoria, calor humano de corpos, e o chacoalhar da música, que esse, havendo qualquer coisa sensibilidade, esquenta a qualquer um. Vida boa a boemia, não deve ser? Mas junto dela vem a solidão dos acordes silenciados quando a festa se fez passado. Vem o vazio de despertar debaixo de um cobertor só. A preguiça de quem talvez vá olhar a um futuro e dele só possa dizer a presente frase “tenho muito sono de manhã”. E quem é que nunca se sentiu assim?

E há também os que desse vazio concluam que não possam viver só. Vão é cantar em voz chorosa que falta um pedaço. Em uma canção, talvez como uma lua minguando. Em outra, talvez, como quem vê parte de si arrancada, como verdadeiro ultraje a própria natureza mística do seu sentir. Afinal, saudades às vezes é tortura doce, como arrumar o quarto de um filho que já morreu.

E tantos outros retratos aqui poderiam ser postos! Que me angustia pensar em quão poucos deles estou “enumerando”, como se relatar os termos de uma canção fosse um simples ato de fazer citações. De fato, muitas outras melodias embalariam o cotidiano nessas notas. E muitas tantas outras talvez trouxessem alguma coisa de felicidade.

Verdade é que nem todo o mundo canta sambas. E nem todo o mundo vive da boa música. Entretanto, o que há de melhor para falar de todo mundo que essa Música?

E ela nos canta, baixinho ou aos berros, que todos, mesmo disfarçados em pedra, esperamos. Sonhamos. Um tanto de realidade que esperamos é questão de conjugação, é realizar. Só que, para isso, é preciso força. Dói ser forte!

E mesmo que essa dor não existisse. Quem controla tudo o que há? Vai a Marisa cantar com o universo ao seu redor. E pode ser assim. Por um segundo, uma hora, ou mesmo por toda uma vida! (Contradição!?)

Essa toda uma vida, porém, há de ter suas interrupções. Como os instantes que decorrem para que o toca cd repita novamente a faixa desejada. Quebra-se o encanto?

Besteira! Quem só se encanta com viver de cores alegres ou é depressivo crônico, ou idiota. Nós, pessoas “normais” apenas desejamos, meio que não desejando, esse tipo de idiotice. Imagine só, nunca ter de cansar a vista com cores quentes. Vininha estava certo, viver assim, é não viver.

Logo, reafirmo, viver dói. E ninguém passa imune à vontade de fugir à dor. Pronto, o vício é a fuga!

Há os que descarreguem ansiedade em cigarro. Tristeza em álcool. Cansaço em coca-cola e pílulas de guaraná. Solidão em literatura. Vazio em paraquedismo. Tédio em tricot. Carência em televisão. Displicência em mentiras.

Dos vícios, os odiosos, os poemáticos, os que rendem sambas, os que consomem... E vão me dizer que talvez eles, os viciados!, sejam aquele apelo doido de quem cutuca o tecido morto sobre a pele a cicatrizar-se por mera falta do que fazer. Vai demorar a fechar o buraco. Mas a vida assim, de gente entrelaçadas, ela não é orgânica – ainda que pulse no batuque de um samba, sangre nas cadências de um piano. Ela é,porque assim é plena! Nós?, só estamos sendo.

Sendo o processo das notinhas inseguras que vão dançando em um harmonia desconhecida. E quem não quer saber como vai terminar a música?

Se não quiser, é porque realmente não gosta de viver, simplesmente vive. Vive como osmose insossa e perfeita, do organismo que não falha.

Se não acreditar que tudo é falha, ao menos há de lembrar-se das falhas consigo mesmo. E pode querer sua overdose de poesia, de filmes do Kubrick, de vinis riscados do Sidney Magal (boa música explica muito; a duvidosa, ao menos distrai!) que todo mundo esqueceu, e ácidos passeando por agulhas que estupram veias, de meias coloridas, de coleções de garrafas de cerveja, de seriados que de tão fantásticos fazem da vida um eterno normal....................

Que começa às seis da manhã. Enquanto uns dormem até mais tarde. Outros visitam amores que nunca foram no descanso do corpo sob os lençóis. Outros preparam o café. E outros bebem desse café.

Bebem do início da manhã: descendo quente - às vezes queimando, quase sempre despertando!!

Pois bem: o café é um vício. De quem reclama do cansaço do mesmo de todo dia, que precisa de algo negro para despertar. E agora explico minha tese, com argumento bastante científico – que é o meu próprio achar; e pronto!. Não me interesso por pessoas que não sejam capazes de reclamar, e que, aliás, não sejam capazes de se interessar por nada. Porque eu mesma me interesso pela vinda do trem. Consigo imaginar – e que bom, tenho café bem adoçado em mãos, para depois me beijar a língua com todo o gosto. Mera manifestação do vício de ser – porcaria nenhuma, talvez, mas sendo.

______________________________________________________________________________________________________

* Quando escrevi o título pensei em Sir Huxley... Não sei se tem muito o que haver com este texto. Talvez tenha, e isso seja óbvio até. Só que ando desconfiando que até mesmo o óbvio exige alguma coisa de pulinhos elétricos de algumas celulazinhas cinzas da cabeça.
** É um bom lugar para se freqüentar em Sampacity... consultem o guia da Folha!
*** Só para constar, não gosto de notas de rodapé. Então não vou, por preguiça mesmo, revelar a identidade delas - das músicas de que falei no primeiro "asterístico". Não das notas... de rodapé, oras! E tenho certeza de que eu nem precisaria fazer isso, não? ;)



segunda-feira, 3 de março de 2008

Casa, silêncio, cigarros inexistentes e espera...



...

A casa, silenciosa. Paredes conspiram: seriam cúmplices da solidão? Desde quando já parara o relógio de girar em sua rotina? Não havia tarefas a cumprir, e tampouco havia resquícios do sol da tarde que nunca fora... a ausência de vozes dá medo!

O pequeno garoto imagina poder olhar para os pés que aparecem sob a manta xadrez de lã. Encara resoluto as ranhuras da unha do dedão esquerdo que não pode ver. Estaria suja, provavelmente mal cheirosa como o banheiro mantido fechado para que os gatos não entrassem durante a noite.

Seriam seis ou sete? Não importa, não conseguiria lembrar-se de todos os seus nomes – e talvez isso porque nunca tivesse parado para ouvi-los. Nunca conversara com gatos! Mesmo assim, vez ou outra, atrevia-se a enfiar suas frágeis mãos nos pêlos daqueles furtivos animais. Não sabia porque o fazia, se ele mesmo não gostava de gatos, se nem ao menos os queria ter por perto.

Nada disso importava... Bastava saber que, durante a madrugada, os tamancos dela agrediriam os azulejos do corredor. Aquele salto pontiagudo marcaria o compasso neurótico de quem apenas vem porque tem de vir, sem em nada querer ficar. Talvez ela, como fazia o garoto com os gatos, afagasse sua cabeça, e ele ronronaria em pensamentos de prazer. Depois, se esquivaria, indiferente de tocá-lo, e olharia pela janela distraída, vendo riscarem o asfalto e o silêncio os carros a passar. Para onde iriam? Para casa, depois das diversões da noite? E quantas diversões não estariam a acontecer enquanto ela perdesse o foco do olhar, e mirasse em ponto algum os minutos que passavam sem que nada para animar-lhe a alma acontecesse.

Fosse outra situação, imaginava o menino, ela talvez acendesse um cigarro... fosse outra situação, ele gentilmente lhe ofereceria isqueiro, conversa, beijos... Mas para que pensar no impossível? Não ofereceria o que não tivesse para dar: não fumava, não teria um isqueiro, e nem se atreveria a querer tocá-la. Porque era apenas um pequeno garoto. Tivera mil anos e seria apenas um pequeno garoto, dada a circunstância da ausência de sol entre as paredes.

Qual seria sua secreta idade? Tão velha quanto as melodias cinzentas de dias nublados, ou seria a juventude prematura de um copo de vinho que se esvai antes de chegar a meia noite? Antes de chegar a meia noite... havia nas horas um perfume – e não era o da ausência...

Silêncio..........

Os gatos estão voltando. Vieram, mesmo estando trancadas as portas do sujo banheiro. Não parecem contentes, sua chegada não pode ser bom sinal.

Não há velas na pequena capela. Quem sairá em procissão? Ela, nada sabe. Entra com a costumeira bandeja na mão, sobre ela uma seringa e duas ampolas... Sobre Ela, angústia de quem vê algo finito esgotar-se – vida!

Põe as mãos brancas sobre os cachos castanhos do rapaz. Murmura baixinho uma música triste que nem sabe de onde vem. Olha para os aparelhos ao lado da cama, depois fixa-se na visão da manta xadrez de lã...

Dói!

Uma reta marca o fim. Hora de chamar os doutores, nada mais a fazer. Seringas inúteis, inútil amor por um corpo morto. Logo, porém, nem pensaria mais nisso. Quantas pessoas não morrem em um hospital?

Os gatos gritam festa sobre o telhado, também imundo. Ronronam sua boêmia e cantam mais uma canção de missão cumprida. Da janela, um menino-homem, então vertido em luz, vê uma moça afagar o rosto inanimado que já lhe pertencera. Acabou-se o silêncio, voltam os ponteiros a girar. Finda uma história, triste, como a saudade antecipada das últimas páginas, feliz pelo próprio término.



- Isso foi escrito há mais ou menos um ano, e sofreu algumas modificações durante esse tempo. Fosse hoje, tenho certeza de que seria completamente diferente. Talvez muito mais drama do que mistério mal explicado - e mal construído, aliás. Mas desse texto mesmo assim!

Essa tentativa de suspense, meio suspensa entre o simbólico e o irreal (valham-me deuses, daqui a pouco falo como crítica literária!), alivia um pouco os pensamentos - meus. Parece distante - tanto quanto o coitado que entravado numa cama de hospital desde menino, apesar da maturidade do próprio corpo (a jovem que o vê sente compaixão ou atração, ou os dois?), nunca se pôde fazer homem.

Enfim, é o relato de uma vida não plena. Então, peço licença, e agradeço por ser ainda um pouco "poliana". Mesmo com o clichê de todo dia, sou mais a plenitude!, mesmo que ela também seja fim! -

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Aos vencedores

As canções cantarei todas
Se elas cantarem a ti.
Canto o teu nome se vences
Pois para aqueles que perdem
Canções seus nomes não têm.

Inebriar-me-ei sempre
Com hidromel das vitórias
Sobre os que perdem, tão minhas,
Se com hidromel se faz
Um verdadeiro poeta.

E amanhã, quando a ressaca
Conosco não estiver,
Lembra-te que os louros de ontem
Desta coroa secaram.
E caso não venças hoje
O teu nome não será
Por qualquer canção lembrado.

Eterno assim seguirá,
Contudo, aquele que vence
Sem ter derrotado alguém
Que não somente a si mesmo.

Esquece-te da injustiça;
O problema é da memória
Que de nossa morte esquece:
É tanto aquele que vence
Quanto aquele que é vencido,
No fim das contas, pois, findos
São ambos e muito pouco
Resta, senão tal fascínio

Pelas eternas batatas.