segunda-feira, 23 de junho de 2008

Dalí que vem História


Sempre disse a tia, tome cuidado: história é História; estória, outra coisa. E nas provinhas de redação todo mundo ficava pensando o que se queria dizer, se era da relevância de um "H" atemporal, ou coisa besta de um "e", tão pessoal.
Depois já de adolescente, um professor, muito amigo meu, disse que essa hi/estória não tinha nada a ver, e que eu escrevesse como bem entendesse. Se o texto fosse bom, digno de começar com consoante, não seria uma vogalzinha ali, perdida, que ia fazer o leitor perder o interesse.
Dessa discussão de primário, veio-me uma reflexão, meio confusa, eu acho, mas que ficou. É que sempre tive a mania de descrever, para mim mesma, na minha cabeça, as imagens e os pensamentos que iam tecendo o meu cotidiano - como se me contasse o que acontecia comigo. Coisa de gente bem besta, é verdade, e que me rendeu a fantástica mania de, antes mais freqüentemente, agora um pouco mais raro, me esquecer falando sozinha, até em lugares públicos.
Acho que é daí que vem a minha mania de sempre me refletir em um agrupados de palavras, à maneira de (sentir de) um certo Pessoa, botando as minhas dores e alegrias reais em dores e alegrias mentirosas. E a partir daí, a minha grande mentira de futuro, o meu "sonho", por assim dizer, passou a ser fazer das minhas estórias algo de História.
Um pouco de pretensão, é verdade. Mas é como aquela coisa do garotinho raquítico que quer ser astronauta, do perna de pau que quer ser Pelé, da adulta que quer ser bailarina sem nunca ter dançado balé.
Os meus textos são raquíticos, e de tamanho para um livro lhes falta pouco mais que volume. Sou perna de pau das letras, do tipo que até se vira em um ou outro drible, mas tropeça ao correr a trás da bola - e um gol bonito de se fazer, fica só na vontade. Posso até dançar a rumba, o mambo, sapateado, a tarantella! e os sete véus, até... Só que na hora de despir a linguagem, falta um pulo, um salto, um arabesque que me faça a prima bailarina de um "pa-deu-deux".
Se eu ouvisse, ainda, a tia da escola, ia estar fazendo outra coisa, agora, agora mesmo. Quem sabe estudar os protocolos do que é Direito, o que é direto, o que todo mundo faz. Não ia pensar que um "his" cabe onde passeiam os tantos "es"s das minhas indecisões diárias.
Eu, no entanto, mando a tia à mer**. Ela me escandiu o primeiro versinho, e se esqueceu de me contar o que era lá a ousadia, que a gente tenta, só porque tem vontade.
Querer vitória*, no fim das contas, tanto me fez quanto não me faz. Porque, como me disse o meu professor amigo, se no meu palavreado algo de maior importância houver, não faz diferença como vão chamá-lo. Se não houver, ninguém vai se lembrar dele - só eu, que nele fui astronauta, fui Pelé, fui bailarina.
E penso que assim deve ser, não só com a minha estória: a História é tentar.



*("Olha lá quem sempre quer vitória e perde a glória de chorar")


[Imagem: Dali - só porque eu gosto de surrealistas, tudo bem a que relação com o texto não é "muito" direta: sejam criativos!]

3 comentários:

JJ disse...

Estive um pouco ausente deste recinto do qual faço parte, tal como um pai que viaja por meses, trabalhando para ganhar o pão das crianças. Que pretensão! Devaneios de lado (ou nem tanto assim, não sou o juíz): suas crônicas mostraram um amadurecimneto impressionante. Sinceramente, não sei se alguém, além de mim e você, passou pela vida de Athos (ela é bem grande). Emociona. E você conseguiu uma meiguice crua, de dar inveja.
Você não pertence a São Paulo. Talvez nem ao Arautos (reduto de rabugentos pessimistas). Mas faz tão bem aos dois que a simbiose garante-nos (à cidade e a nós) a vida. É sorte nossa ter alguém que ainda é capaz de ver borboletas azuis e escutar sinfonias no caos do mundo. Seguindo seu exemplo, tenho meu momento piegas: nossas regras gramaticais são bem diferentes. Ao contrário de mim, você não conhece (e nem deve conhecer) ponto final.

Laura C. disse...

JJ... seu comentário inflou meu ego em proporções inimagináveis! Não fosse a minha constante e afiada autocrítica, acho que ele estaria orbitando em volta de algum planeta bem distante já.
De fato, eu não pertenço a São Paulo. Minha relação de amor e ódio por essa "cidade", que veio de uma antiga paixão platônica, me diz que ela não é amante das mais confiáveis.
Enquanto isso, eu é que digo que costumo me sentir bem em casa de amigos, me é bem reconfortante o teto dos Arautos. Tanto que já me considero de casa, largo chinelos pela sala, e fuço a geladeira sedenta por doces de madrugada (e acho bons quitutes literários). Se eles são rabugentos, eu também sou. Se são pessimistas, não sou muito diferente.
Veja só o Athos. Ele tem um ente correlato de existência concreta (sim, eu presenciei a cena: um pitbull entalado na grade de uma janela, morrendo de medo da chuva! Na hora pensei que devia escrever!). Só que é um cachorro, não tem 46 cromossomos...

Borboletas não têm 46 cromossomos...

Tudo bem, os Arautos têm, Elis Regina tinha, assim como também tinha o Goethe que eu nunca li e a boa alma que transcreveu uma citação dele (não, acho que esse ser ainda não morreu, mas estou com preguiça de reescrever a frase).

Engraçado... Arautos, Elis, Goethe...

Minha conclusão: sou otimista em relação aos pessimistas!

Portanto, nem me venha dizer que não pertenço aos Arautos! Ainda que com os tantos elogios acompanhantes eu me sinta lisonjeada!

Entendido?

Hamilton disse...

gostei muito desse texto!