terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Poema da Passagem (ou um poema frustrado)

A morte que não me chama
ao Tempo
negro felino
de amarelo observar.
Tão hoje vi teu retrato
que na tua vista
de agora, me vi passado.
Me declarei a ti
o que amei
e hoje a mim
me tenho acabado.
As suas mãos
não mais tatearão
velhas paredes de pedra
tão menos pedra
se fez meu sentir.
Quando que me lembro
que na sua partida
será parte a minha
ida, a não além
que eu não possa
ver agora.
E tanto que te choro
a tua ida
para mim sem hora
e tanto que me imploro
muralha azul
de fortaleza celeste!
Tanto que meu cantar
os acordes do fim...
Tanto que me fino
no teu fino sorriso
de não me saber
caber no teu peito
o que preciso.
Que já agora não pedi
nem perdi
a ardência embriagante
minha garganta arranhar.
Tão agora que tua ida
me move
a te aguardar
e saber que não virá.
Tanto que agora
a cauda me toca
os pés pasmos
- os olhos que não sei definir
se não em cor
a sua amarela mensagem,
que não me achei a mim
a minha passagem
do encontro que lacei
em largos tragos
da abstinência silenciosa
do teu curioso afago.
Se é o Tempo
ou você
que a ti tanto
me alucinei...
Se é mentir
dizer da sua boca
que tão longe
tanto a amei...
Se é fugir
que para onde ir
já me abandonei...
Que entre Arcadas
de anos lavados
nos levamos e paramos
longe
onde lenta tentativa
nos tenta levar.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Rascunho não é...

A sugestão da semana é um site interessante sobre literatura.
Tenho que confessar: eu mesmo não tive tempo suficiente de conhecê-lo bem. Fiquei na superfície. Espero que o gelo não derreta.

http://rascunho.rpc.com.br/index.php

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Soneto do Amor Apático

Ai! Eu sinto que te amo tanto!
E toma-me uma dor o peito...
De forma tão vil, te garanto,
Pois sei que o que tenho feito,

Faz só sentir-me louco e em pranto!
E disso não tiro proveito.
Pois sem esse teu belo encanto,
Viver é tudo o que eu rejeito...

Ah.. e sempre que eu te queria,
Não sei o porquê do imperfeito,
É porque quando tu sorrias,

Sentia-me o homem eleito,
A transformar-te em poesia...
Porém, não beijaste o meu leito!!

Beteto 13/12/2007.


segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Soneto da Incompreensão


Oh, que loucura tem essa mulher?
Diz asneiras.. que não posso senti-la...
Ouço, onusto de uma dor beluína,
Que os frutos deste amor não vou colher!

Ah, soubesse ela como é bom viver,
Ter prazer sendo a minha alta pupila...
Que amor vivido assim jamais oscila,
E nem quando há um atro anoitecer!

De tudo o pior é: me ama também...
E não poderei jamais possuí-la?
Ah, pudera eu lhe mondar o desdém!

Agora o tempo cheira a despedida.
Como um cadáver pálido, porém,
Digo adeus sem volta: sou um homicida!!

Beteto 17/06/2007.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Para degustação

A TRAGÉDIA

NOITE
1ª PARTE

FAUSTO (Intranquilo, ele está sentado num alto mocho ao lado de sua escrivaninha. O quarto em que se acha é pequeno e abobadado)

Estudei ardentemente tanta filosofia,
direito e medicina
E infelizmente muita Teologia,
Tudo investiguei, com esforço e disciplina,
E assim me encontro eu, qual pobre tolo, agora
Tão sábio e tão instruído quanto fora um dia!
Primeiro fui assistente e em seguida doutor;
Dez anos ensinando; autêntico impostor
A subir e a descer por todos os lados
Estudantes à volta em mim sempre grudados
E chego ao fim de tudo ignorante em tudo!
Coração a ferver! Para que tanto estudo!
Não supero em saber os tolos e doutores,
Nem sei mais do que os Mestres, padres e escritores.
Dúvida? Escrúpulo? De tudo já dei cabo.
Não mais me assombra o Inferno, e nem mesmo o Diabo;
Fugiu todo o prazer da minha adolescência,
Não me interessa mais do Direito a ciência,
Nem a tarefa árdua de ensinar,
Aos homens converter e doutrinar.
Não ganhei dinheiro, quase não tenho nada,
Nem a glória do mundo e seus doces prazeres;
Por que viver como se fosse um cão!
Apego-me à magia. É uma salvação.
(...)

Fausto, de J. W. Goethe

sábado, 8 de dezembro de 2007

Completude da ausência

Não tens piedade
e não vens para gracejos.

Não nos pensa enganar
com teu precioso olhar
de pedra transparente.

De fato:

és bela!

és quase tragédia
em teus matizes de rosa
alegria desesperada.

E quanto mais distante
posso olhá-la além
tão mais cínico
se faz

teu desesperado gargalhar.

Que na tua presença
sei odiar-te amando
tua volúpia louca
de ser incompleto.

A completude da tua ausência
- não quero nem imaginar!! -

Odeio-te por te fazeres plena
quando te esvais
em trêmulos anos de procura,
de presente que se vai passando,
enquanto sei que em futuro
te irás passar.

Odeio-te, pureza,
enquanto tão mais aurora
tu te farás em silêncio!

Vida
que de tão magníficos
sentires e olhares,
se afasta em instante só
e és na treva de si mesma
tanta luz
que no seu ser escuridão
- solidão, impresente frieza -
te chamam-te morte!

Café da tarde

Aquela mesa de verdades
Com sábios bules
Xícaras honestas
Colheres, facas e garfos
Fiéis serviçais de tantos anos
Dá abrigo cegamente
Aos pãezinhos inocentes
À manteiga incapaz de fazer mal
Ao chá de boa índole
Ao café de família tradicional
Ao leite sem antecedentes criminais.

Babel de muitas frutas
Todas de boa reputação
Exceto pela maçã
Procurada internacionalmente
Por transgressão delinqüente
E seqüestro de ventre
(Ela é ilha comunista)

Uma vila camponesa
De profissionais liberais
Da broa perfumada
Que se entrega fácil
Do sagrado mel
Que nos cura de tudo
Da goiabada chorosa
Longe de seu queijo protetor

Há outros moradores
Todos bem apessoados
Como a torta de morango
A mais direita que conheço
O doce de leite criança
Com sotaque moroso
Ou o bolinho de coco
Seduzindo muitas bocas

Latino

Menção honrosa
Para a avó mafiosa
Cabeça pensante

Desta violenta operação

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Beijo da língua

Quis amar de muitas formas
Como feijoada e samba
Com gols e braços abertos
Com tiros cordiais
Pelos morros e florestas
Pelos campos
Doces
De saudáveis grãos
Ou cheios de vitamina C

Quis amar incondicionalmente
De terra no olho
Cerrado
Os amantes sem amor
Nômades
Os profetas João
Vão bem
Obrigado
Os camaradas de sangue
Ah camaradas de sangue
Os irmãos do bezerro de ouro
Bem-aventurados sejam eles
Os vegetarianos dos trópicos
As plantas carnívoras
Do plano e do alto
Eles todos

Quis amar à força
Até tristeza em alto-mar
Poesia e fado
Raparigas e retretes
Deus e Camões
Que nunca se entenderam

Não amei
Nem me amaram
Não há sujeito oculto
Nem indeterminado
Na gramática do amor.

Mas o beijo de língua
Com gosto de Champagne
Na tela de cinema
É minha república em greve
Meu te amo traduzido
Français, Je parle français

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Melopéia de São Paulo sustenido

Sarjeta

cinzenta, concreto suspiro:
travesseiros de pedra,
corpos estendidos.

Livre escolha imposta
da liberdade marginal
não ter de ser
por não poder ser.

- E mãos atiradas às moedas
doídas de pedir e de viver.
...

Cheiro paulistano
dos corações arrebentados,
amarelo sujo
de corpos cansados
e almas caladas.

Canção empoeirada
de mortes ignoradas.

Tanto se canta tão mal
aclamada
miséria das ruas,
tão comentada!

(miséria das vidas:
...
maldição ignorada.)

Tenho minhas dúvidas. Não sei se esse é um bom poema, mas foi o primeiro que me veio a essa cabeça de vento quando pensei em postar algo neste blog. De fato, não me importo em pisar aqui com pé esquerdo, já que a confusão que acabo de escrever foi colocada em papel por uma mão também esquerda. E se piso no terreno dos Arautos da Má Notícia, antes de esparramar qualquer coisa flor, deixo um pouco dos agouros ruidosos da minha rotina.
Por enquanto me despeço. Até mais!

domingo, 2 de dezembro de 2007

Recomendação, a mais forte

Talvez muitos não conheçam ainda. Depois deste post, nada de escusa caso encontrarem-me na rua.
Assistam ao documentário "Vinícius", dirigido por Miguel Faria Jr.

Eu avisei!

Salve o Poetinha!

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Filhos, eu não os terei.


Escreverei sobre algo bom, assumindo toda a responsabilidade daquele que aponta verdades. Algo bom, após um ano sofrido. Decerto, para acontecer, coisas ruins não escolhem deliberadamente um conjunto definido de trezentos e sessenta e cinco dias nem qualquer outro período de translado celestial. Sabemos que divisões temporais, como outras tantas divisões, são produtos da razão. Esta sim é a única a gozar das simetrias que enxerga. Um ano ruim: metade razão, um ano, metade humano, ruim. Funciona exatamente assim: esperamos, do ato de ter esperança, agora sem razão, que o ano ruim termine logo, como se na passagem de um dia para o outro, os ponteiros do relógio simplesmente anunciassem um fim terrível e um começo promissor. Infelizmente não sabemos todos, mas para mazelas do corpo e da alma, da condição humana, para estas, não há divisórias nem congruências. O tempo não é lógico, é anárquico e mal-educado. Não quero, com isso, evidenciar relações de causa e efeito, nem quaisquer outras, entre lógica, anarquia e educação. Vou além: é como um louco de quem se pode esperar tudo. Ele não tem caráter. É assassino em série sem padrão.

O tempo. Só passa para aquele que o conhece, tal como a medusa que petrifica aquele que a vê. Enuncio, então, a regra, ora inquestionável: aquele que conhece o tempo, não o possui. Todavia, a criança, dentre todas as coisas boas, tudo possui. Nós já ouvimos: ela tem todo o tempo do mundo. Esta é uma verdade. Na infância, rotações e translações terrestres valem tanto quanto juros e inflação, ou seja, não passam de palavras ocas. Portanto, a criança não conhece o tempo, ela o possui. É isso que sinto quando olho para ela. A liberdade que explode, a preocupação que se ausenta, a ansiedade que lhe falta. Não há sofrimento em uma criança. Não há morte. Com tudo ela se conforma, feliz, não em sua ignorância, mas em sua satisfação de saber o disponível. Quero deixar claro que criança não é um ser de nosso mundo. É de outra dimensão, fantástica, porque cria da imaginação. Infelizmente, a nossa dimensão é nostálgica, porque para a infância nenhuma ex-criança jamais regressou.

Deveria escrever sobre algo bom. Perdoa-me. O tempo, este guardado para reflexão, fez-me mudar de idéia em dois parágrafos. E para quem é sua vítima, otimista não há de se tornar.

Lembro-me de que fui criança. Tiraram-me o que tinha de mais precioso, sem o saber: todo o tempo do mundo. Fizeram-me conhecê-lo. Foi uma apresentação seca, sem pompas ou afagos: “Este é o tempo”, “Prazer em conhecê-lo”, “O prazer é todo meu”. Eu, a criança, ingênuo. Ele, o tempo, irônico. Deixara de possuí-lo. Passou a possuir-me.

Novamente questionarei o teor absoluto das próximas afirmações. É possível que o tempo seja pontual. Diz o ditado, “tudo tem seu tempo”. Acreditar nisto implica acreditar em algo a mais. Eis uma sabedoria que nos escapa. Para ilustrar, tomemos um exemplo da vida com outro ditado: a única certeza dos vivos é a morte. Não se sabe como nem onde. Nem o mais importante: quando? Morte e vida. Antônimos para muitos. Para outros, sinônimos perfeitos, se isso é possível. Questão gramatical de ovo e galinha, eu digo: morre-se para viver ou vive-se para morrer? “Só o tempo dirá”. Talvez para alguns, para os mais letrados e/ou astrológicos, o que digo não faça sentido. Para outros, profano um templo sagrado. O fato é que até mesmo tais dúvidas ou convicções acerca da pontualidade do tempo só despertam para aqueles que crianças não são mais e para lá não voltarão. Do tempo, todos somos escravos.

Desconfiado está o leitor mais sagaz, devorador de clássicos. Está certo, confirmo: não deixarei como herança o legado de minha miséria. De tempo, se me resta muito ou pouco, não sei. Sei que da criança nada sobrou. Desejo apenas que este ano logo termine e que o próximo seja muito melhor.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

O maior invento do mundo

Moinho gira o engenho
Soturno
Cá não há o que eu não possa
Eu posso
Direito à sesta eu tenho
Não durmo
Desde que limpa a fossa
Eu faço

Descanso não mereço
Nem peço
Cava a pá, levanta o pó
Grita o pé
Reclamo, estremeço
Tropeço
Agradeço, não sou só
Tenho a Sé

Afundo em mar salgado
Não choro
Suor o corpo chora
Orvalho
Não peça amor, amado
Imploro
Sou senhora sem hora
Trabalho

domingo, 18 de novembro de 2007

Portal Literal

Acordado, enfim, de um longo período em câmara criogênica.
Volto a aconselhar, pretensiosamente dos meus nulos 23 anos.
Culpem, se for este caso para tanto, a ansiedade do recém-nascido.
Siga o "coelho branco". Garanto: não haverá lamentos.

http://portalliteral.terra.com.br/index.htm

domingo, 11 de novembro de 2007

Saudade à brasileira

Muito se fala sobre a dificuldade de traduzir a palavra saudade. Não tenho dúvida nenhuma que ela traz consigo um sentido de difícil compreensão para povos que não falam a língua portuguesa. A dimensão da palavra saudade na língua portuguesa é gigante.

Porém, o que acabo de dizer não é nada novo. O que acrescento é que é novo: a palavra saudade, para nós brasileiros, tem um significado diferente, que vai além de sua acepção e significado para os portugueses. Sim, os portugueses vão me odiar por isto.

Acho que nós compreendemos mais o significado dela para eles que o inverso. Exatamente porque a saudade brasileira é uma coisa paradoxal por se relacionar fortemente e alegremente com o futuro! E para eles, jamais!

A origem dessa palavra é quase tão incerta quanto a do universo. Entretanto, seu significado parece estar fortemente associado às navegações portuguesas, aos descobrimentos. A palavra descreve o sentimento das mulheres portuguesas deixadas em terra por seus maridos que saíam a velejar em busca do desconhecido, assim como o sentimento dos navegadores que se viam longe de seus entes queridos e envolto de um mar sem fim. Era uma saudade relacionada à incerteza, à solidão, ao desejo de rever e de possuir novamente, uma lembrança nostálgica e carinhosa.

Com o passar dos anos e as sucessivas crises enfrentadas por Portugal tal palavra passa a descrever, além daquele, mais um sentimento: algo carregado de pessimismo, um sentimento de que o tempo bom ficara no passado e jamais voltará. Sentimento este que vigora ainda hoje em tudo que relaciona os portugueses.. Extremamente saudosistas e pessimistas, vivem o presente para lembrar do passado, e jamais para construir um futuro. Talvez, jamais seja um pouco forte....

No Brasil, nós temos este sentimento também, nós o compreendemos, mas nós não o acatamos completamente. Nossa saudade é paradoxal porque, junto a este sentimento, temos sempre o sentimento ou a expectativa de um futuro melhor, de que novas coisas virão, uma expectativa alegre e otimista em relação ao futuro. Está aqui a grande diferença: os brasileiros são otimistas, os portugueses não. Daí a diferença no sentimento de saudade.

O mais importante não é a diferença, mas suas conseqüências, e é onde quero chegar. A nossa saudade ajudou a criar a bossa-nova, que é antes de tudo uma música alegre que pulsa no ritmo do coração, assim como o jazz. Enquanto a saudade portuguesa ajudou a criar o fado, que é uma das músicas mais tristes que já tive notícia. Aliás, o fado é pobre também por conta da saudade portuguesa ser muito mais bem definida, ou seja, não carregar consigo o paradoxo que a nossa carrega. Enquanto a bossa é rica também por conta da saudade brasileira ser dúbia, paradoxal, mais rica de sentidos. Saudade no Brasil é tristeza misturada com alegria, é tristeza à espera de alegria, é solidão que vislumbra o reencontro, é o coração apertado que carrega uma alma radiante.

E assim as duas almas, portuguesa e brasileira, se diferem. E é exatamente por serem duas almas distintas que falam línguas também distintas, apesar de parecerem a mesma. Todavia não são a mesma, e jamais serão. É justamente a diferença entre as almas que explica o fato de se expressarem de maneiras completamente diferentes. Na música, por exemplo, o fado é, muito provavelmente, a maior expressão da alma portuguesa. Enquanto a bossa é a maior expressão da alma brasileira. E é esta pequena comparação que nos mostra qual alma é gigante... Podem até argumentar que o gigantismo da alma portuguesa está na literatura, mas como é a música a arte suprema, a comparação deve ser feita na esfera musical.

Por fim, não existiria fado sem as navegações e sem a saudade portuguesa, assim como não existiria a bossa nova sem a saudade brasileira e sem o Rio de Janeiro, este que também não seria o mesmo sem as navegações..

E o que nos resta? A música, a boa e velha Felicidade que tudo nos ilustra: o ritmo é alegre, o nome é feliz, e a letra é.. Bem, o primeiro verso diz tudo: "tristeza não tem fim/ felicidade sim".

Que coisa mais ambígua, não? Mas "isso é bossa nova e isso é muito natural". Isso é o Brasil.

Por Belém Neto e JJ

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Erosão contemporânea

O tempo é o contratempo
O tempo e o contratempo
Tempo e contratempo
Tempo contratempo
Tempo contra tempo
Tempo, tempo
Tempo
Tem
Pó.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Star Wars: uma nova abordagem

Louco e radical, chamar-me-ão aqueles que chegarem ao final deste texto. Entretanto, não é isso que me inibirá. Venho aqui expor o porquê do filme Star Wars ser um filminho fantástico. Ou, para os cinéfilos, uma analogia: um pequeno grande filme.

A começar por desmerecê-lo. Não passa de uma ficção-científica bobinha. Muitos efeitos especiais e nada mais. Não passa de uma grande jogada de marketing, afinal quais são as seqüências que tiveram sucesso no cinema? Quero dizer que como o filme começou da metade garantiu aos primeiros (parte 1, 2 e 3), pelo menos, o mesmo sucesso dos últimos. Se George Lucas os lançasse em ordem, o sucesso, muito provavelmente, decresceria, como nos mostra a história.

Claro que a história do filme é razoavelmente intrigante, contudo, é também maniqueísta e racista, o que a torna deplorável. Porém, prefiro não entrar nessas questões, pois há outros textos que já trataram o assunto.

Retomando, há os que dizem que não existia a tecnologia necessária para filmar as três primeiras partes, mas eu digo que também não havia para filmar os três primeiros lançados. Mesmo assim foram feitos. Posto isso, só me resta concluir: a seqüência escolhida foi uma grande jogada de marketing.

Também há os que dizem que o filme marcou uma revolução tecnológica no cinema. Eu concordo. Todavia, cinema não é, em si e para si, tecnologia. Muitos dos melhores filmes nasceram exatamente na lógica oposta, ou seja, com baixo orçamento e pouca tecnologia, tão pouca que mal se podia iluminar. Me refiro, em tom de brincadeira, ao cinema noir.

Outro exemplo é o mestre Chaplin. Continua genial, e qual era a "super-tecnologia"?

Mas vejam bem, não sou contra a tecnologia, só acho que ela não torna um filme bom ou ruim. E no filme que comento aqui, se se tirar a tecnologia e o marketing, sobra só a música, que também não é das melhores, mas diverte. E música também não faz cinema, complementa.. Logo, Star Wars é um filme vazio.

Porém, o que ninguém poderia esperar é que ele representasse o mundo de uma maneira tão brilhante e ressalto: inconsciente. Inconsciente porque tenho certeza que Geroge Lucas não tinha a menor intenção de mostrar o mundo como tentarei demonstrá-lo, brevemente, logo a seguir.

O mundo que descreverei não está por detrás do filme, está no filme. O que mostrarei é a essência, e o que fica do filme, para a maioria, é a aparência; porém as duas estão intrincadas, e não sobrepostas.

Por fim, vamos ao que interessa: existe uma teoria que diz que a taxa de lucro, desde que existe lucro (o que nos remete ao ínicio do século XIX), tende a cair. Isso se aplica ao mundo capitalista, pois é onde existe lucro. A teoria é bastante razoável e não vem ao caso discuti-la.

Tomado tal príncipio, significa dizer que o mundo tende a uma crise, pois se a taxa de lucro declina as empresas reagem, aumenta-se o desemprego entre outras coisas. Enfim, tem-se uma crise.

A saída para esse mundo caótico - chamo de caótico um mundo com lucro declinante, ou seja, "mercados enfurecidos", "inflação descontrolada", "desemprego maciço" - são as ditaduras e as guerras. Principalmente quando combinadas.

Agora vale uma explicação: não é nada genial, é simplesmente óvbio que as guerras destroem as coisas, as construções, as pessoas, as riquezas, e obriga a humanidade a reconstruir tudo. A ditadura facilita que se entre e se mantenha em guerra. C'est-à-dire: as guerras são como uma máquina do tempo que só leva ao passado. Após uma guerra, as sociedades envolvidas regressam a um estágio inferior ao que estavam imediatamente antes dela e, dessa forma, voltam a conviver com taxas de lucro menos próximas de zero e, assim sendo, o mundo torna-se menos caótico, apesar de destruído e banhado a sangue.

É exatamente por isso que Star Wars é genial. Ou seja, por ser uma grande alegoria da nossa sociedade capitalista. E não me acusem de comunista ou socialista, ou anti-capitalista, pois estarão se auto-acusando de cegos. Afinal, só quem vive no completo breu para negar as duas guerras mundiais, a guerra fria - que se não destruiu, pelo menos obrigava a produzir mais - a guerra do Vietnã, da Coréia, as duas do Iraque, a guerra das Malvinas, dos Balcãs, da Argélia, dos seis dias, entre tantas outras que contabilizam, pelo menos, 65 grandes guerras desde o ano de 1800.

Isso tudo torna-se ainda mais interessante ao pensarmos nos EUA como o motor da economia mundial - o que é difícil negar -, pois, sendo assim, o resultado de um corte total nos gastos militares de tal país (que foi de U$529 bilhões em 2006) representaria, provavelmente, o colapso da economia mundial. Tal fato significa simplesmente que a guerra é necessária na sociedade em que vivemos. Sem ela temos o caos.

Temos, pois, que Star Wars nada mais é do que nós. Aquele mundo que só vive de guerra é o nosso. O maniqueísmo de George Lucas ao dividir o mundo entre "o bem e o mal" é nosso também e, principalmente, da grande potência hegemônica, ou seja, os EUA. Mas não porque o mundo esteja realmante dividido entre bonzinhos e mauzinhos, mas porque sua essência é a necessidade de guerras e o maniqueísmo a justificativa para tal. Todavia, seria muito melhor se nossas guerras também fossem interestelares, assim gastaríamos muito mais com as guerras, teríamos uma taxa de lucro muito mais elevada, o caos econômico seria muito menor, e a destruição seria mais diluída no espaço, ou seja, seria quase perfeito!

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Arrivederci!

Morre (06/09/2007) Luciano Pavarotti.
Dia de luto neste blog.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Haikai de uma função circular

Chuva entristece.
Triste, eu choro
Chorando, chove.

domingo, 26 de agosto de 2007

Cinema: Glauber Rocha

Para os que ainda não conhecem, segue o link do site do maior cineasta brasileiro de todos os tempos.

http://www.tempoglauber.com.br/

Vale lembrar que o site ainda não está completo, pois a família do falecido diretor ainda tem a intenção de disponibilizar todos os documentos produzidos por ele, o que significa mais de 40 mil.

Abraços! E boa diversão!

Música de qualidade

O post não se endereça aos apreciadores da música, pois eles devem ter melhores e maiores conhecimentos sobre a minha sugestão. Escrevo para os apreciadores aspirantes que ainda não conhecem as sinfônicas do Estado de São Paulo.

Em primeiro lugar, a grande OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de SP):
http://www.osesp.art.br/home.aspx

Em segundo lugar, a deliciosa Banda Sinfônica do Estado de SP:
http://www.bandasinfonica.org.br/v1a/index.htm

Por fim, a Orquestra Jazz Sinfônica do Estado de SP:
http://www.jazzsinfonica.org.br/

É possível ouvir trechos das músicas de vários CDS nos sites das três sinfônicas.
Para deleite de meu amigo Belém Neto, deixo aqui uma pequena demonstração da Jazz Sinfônica.
Apreciem sem moderação!
http://www.jazzsinfonica.org.br/mp3/cyro50/poemaparajobim.mp3

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Imagem sonora





Castelo Mouro, Sintra - Portugal. Fotografia de Belém Neto



quarta-feira, 22 de agosto de 2007

O jogo do bicho

Os dois eram os melhores amigos, daquela espécie quase extinta que nós raramente encontramos nos dias de hoje. Conheciam-se mais, um ao outro, do que suas próprias famílias os conheciam. Uma amizade que nasceu na infância, percorreu a juventude, transformou-os em compadres e até em avôs de um mesmo neto. Agora, a amizade havia amadurecido. Não precisavam de muitas palavras para alcançar o entendimento mútuo. Acima de tudo, respeitavam-se. Não havia registros de brigas, calúnias ou traição. Dava gosto de ver os velhinhos.

Naquela tarde, como em todas as outras tardes dos quarenta e sete anos precedentes, Seu Zé e Seu Osvaldo reuniram-se para especular, no botequim da esquina, as possíveis combinações do jogo do bicho para aquele dia. Se chegassem ao consenso, como era sabido pelos freqüentadores do local, nunca deixavam de ganhar um dinheirinho. No entanto, há quarenta e sete anos perseguiam, sem êxito, o primeiro prêmio.

Seu Zé disse ao amigo:
─ Eu sonhei que o Alemão tinha morrido.

Seu Osvaldo respondeu, angustiado:
─ Não brinca, Zé! Eu também sonhei com morte. O problema é que o morto era você.

Prontamente, seu Zé pôs termo à conversa, batendo três vezes na mesa do boteco:
─ Vira essa boca pra lá!

Cabe aqui esclarecer um ponto importante que faz parte da ciência do jogo proibido: sonha-se com morte, joga-se no elefante. E eles jogaram. Foi assim, então, que os amigos ganharam aquela bolada bem gorda. Elefante na cabeça! Um prêmio para a insistência de anos.

É de conhecimento geral que o destino tem por hábito ser inconveniente. Naquela mesma tarde, no caminho de casa, sem tempo de anunciar a boa nova à família, Seu Osvaldo foi pego de surpresa por um ataque cardíaco fulminante.

Seu Zé não se conformava. Inconsolável, chorava mais que a mulher e os filhos do finado. Custou muito tranqüilizá-lo. Contudo, conseguiram fazê-lo dormir.

A despeito de ter sido um sono curto, este foi revelador para Seu Zé. O velhinho sonhou com o amigo morto. Durante o transe, o finado Seu Osvaldo proferia ininterruptamente o seguinte aviso:
─ O Burro, Zé! Amanhã é dia de Burro!

Seu Zé entendeu o recado. No dia seguinte, tão logo acordou, foi ao botequim e, depositando extrema confiança no conselho do amigo, apostou todo o dinheiro que havia ganhado com o elefante da véspera. Após a aposta, era hora de velar o amigo.

Durante a manhã inteira, Seu Zé fitou o corpo sem vida, admirando, em seus pensamentos, aquele último gesto de carinho que o amigo tinha-lhe oferecido durante o sonho. Ele sabia que seria uma grande injustiça ver Seu Osvaldo partir sem uma despedida digna de rei. Afinal, o burro era uma barbada! O enterro seria no período vespertino e, portanto, seria possível saber o resultado ─ ainda que não precisasse, pois o amigo já havia adiantado ─ do jogo do bicho antes do evento. Com o prêmio, a homenagem a Seu Osvaldo seria grandiosa: carreata em carro de bombeiros, incontáveis coroas de flores e um último samba ─ tocado por orquestra, com violino e tudo.

A hora havia chegado. Para dizer a verdade, o enterro já estava atrasado. Todos aguardavam angustiados pela chegada de Seu Zé, conhecido por sua pontualidade marcante. A tampa do caixão ainda estava aberta, esperando para que ele se despedisse do finado. Felizmente, não houve tempo para que aquele momento se convertesse em uma espera repleta de tensão. Seu Zé tinha chegado.

Foi espanto geral. O amigo ainda vivo dirigiu-se, de cenho fechado, até o amigo sem vida e descarregou completamente a munição de sua arma no corpo estirado. O motivo: borboleta na cabeça. O burro não tinha aparecido sequer em um dos prêmios. Não se tratava de dinheiro. O fato era que Seu Zé tinha sido traído por Seu Osvaldo, o melhor amigo! Depois de tantos anos de amizade, não podia tolerar ou perdoar aquele desrespeito. Tinha sido sacanagem... E das boas! Quanta pequenez! Não havia desculpas. Não era dia do burro. Não ouviria de novo o nome do larápio. Matou para sempre o covarde amigo, que esperou morrer para ser morto.

domingo, 19 de agosto de 2007

Facilidades...

O link abaixo leva ao final do arco-íris dos estudiosos da língua inglesa. Trata-se de um dicionário inglês-inglês maravilhosamente completo e grátis.

http://www.thefreedictionary.com/

Boa diversão!

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Alphaville, un film de Godard

Jean-Luc Godard est un réalisateur franco-suisse, né le 3 décembre 1930 à Paris. Il est aussi acteur, chef monteur, dialoguiste, monteur, producteur et scénariste. Godard est un figure clé de la nouvelle vague. Peut-être il a été le créateur de la nouvelle vague avec François Truffaut. Il est un cinéaste militant et aussi un révolutionnaire de l'art cinématographique.

Après cette aprésentation, on va parler d'un film de Godard qui s'appelle Alphaville. Dabord, il faut qu'on dise que le film est un peu difficile à comprendre. C'est plus que l'histoire, comme tous les films de Godard. Mais ce n'est pas un filme très complexe que ni l'histoire c'est possible de comprendre – comme dans les films postérieur de Godard, quand il a déjà crée un langage cinematographique très particulier et complexe.

Alphaville est un film de 1965. Le titre, “Alphaville, une étrange aventure de Lemmy Caution”, évoque un programme de télévision avec le personnage Lemmy Caution, qui est l'acteur Eddie Constantine, comme dans le film. Alphaville est présenté comme un film polar. Et comme dans tous les films polar il y a persécution, univers nocturne, la fatalité, et aussi l'amour à première vue que dans Alphaville se passe entre Lemmy, le détective-espion, et la femme qui est peut-être son pire ennemi.

Mais c'est aussi un film de science-fiction, mais sans effets spéciaux, où l'homme et toute la société son trucident par une logique non-humaine. L'ordinateur, Alpha 60, automatise tout le monde, tous les gens. Quand apparaît le livre “Capital de la douleur”, c'est comme un troisième titre du film, le titre qui parle de la douleur de cette société automatisé.

Alphaville est un film poétique aussi. Tout le temps il fait allusion et citation de la poésie de Paul Éluard, l'auteur de “Capital de la douleur”. Et il y a de la poésie dans le film parce que il n´y a pas de poésie dans Alphaville. Les mots, ils disparaissent aussi comme ses acceptions. Mais c´est plus, le film parle sur la philosophie de langage...

Donc, un film de sience-fiction, un film poétique, et aussi un film mythique. Alphaville évoque un passé et un futur porchain (nazisme et fascisme) mais aussi une époque très ancienne, où la poésie et la nuit a paru exister absolument. Une scène belle c'est quand Lemmy ravit Natascha de la nuit de Alphaville comme l'Orfeu. Lemmy dit: “la poésie transforme la nuit en lumière”. Ça c'est un citation d'Éluard, c'est-à-dire que c'est seulement le plongée dans la nuit que permet le naissance de la lumière et d'un nouveau regard. Et c'est jusquement parce que la poésie était perdue qu'elle brillait constantment dans la nuit d'Alphaville.

Le film se passe dans le futur, mais tout ce qui se voit c'est la Paris de 1960. C´est un film de science fiction, mais se présente comme un polar-noir. En plus, c'est presque un film surréaliste, comme dans la scène sur le judgement.

L'histoire du film, c'est l'histoire de Lemmy Caution, un agent secret, qui arrive à Alphaville pour rechercher le scientifique Von Braun. Guidé par Natasha, la fille de Braun, Lemmy découvre la capitale de la douleur.


"C'est un film sur le futur, mais comme nous vivons dans le futur, c'est un film au futur antérieur, c'est-à-dire au présent. " (J.-L. Godard)

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Amnésia

E a lua?
Um astro.
E esta pessoa?
Chama-se Maria.
E esta poesia?
É Pessoa..

E ontem?
Trabalhei.
Mas e hoje?
É sábado.
E amanhã?
Domingo?

O que vê?
Um umbigo.
O que ouve?
Nada.
O que quer?
Não sei.

Vá pra casa e descansa. É emocional.

domingo, 12 de agosto de 2007

Sites sobre Jazz

Alguns sites sobre a história do jazz, e também sobre a teoria.

http://www.sobresites.com/jazz/
http://www.clubedejazz.com.br/
http://www.ejazz.com.br/
http://www.jazzbossa.com/sabatella/index.html

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

O cego ouvindo sambajazz

Passeava por uma capital brasileira que luta para respirar um pouco do ar cosmopolita - no bom sentido da palavra - de São Paulo e Rio quando percebi um anúncio: "Sambajazz Trio, no Bolshoi Pub, hoje!"

Logo pensei que não seria o mesmo Sambajazz Trio.. "devem ter formado uma banda por aqui com o mesmo nome".

Mas apesar da desconfiança fui conferir, e que sorte!! Eram os verdadeiros! Sendo assim, nem preciso falar muito sobre o show em si, pois já sabem que foi maravilhoso! Porém, vale destacar que o Kiko mostrou sua criatividade ao piano com belas harmonias e criativos solos; o Luiz com seu ritmo de encher os olhos (ou o quadril, pois que swing formidável!) não fica para trás; e o Neguinho, confundiu a toda a gente com a sua capicidade de ser dois em um.

Explico melhor: feche os olhos e comece a imaginar um trio tocando um sambajazz de altíssimo nível. Um piano, um contra-baixo, e a bateria. Mantenha o som dos três e acrescente um trompete!

Não é mais um trio? Não pode ser! Não.. ainda é um trio.

Foi isto que aconteceu com os cegos, ou desatentos, que presenciavam o show. Pensavam: "quem está tocando este trompete? Quem é o quarto elemento? Por que trio se é um quarteto?

Enfim... o que ninguém espera é que um baterista toque sua bateria perfeitamente - sem deixar nem mesmo o mais exigente dos ouvintes sentir qualquer falta dela - e um trompete ao mesmo tempo, também perfeitamente! Acrescento ainda: em uma mistura de jazz e samba, com um swing pra deixar até mulata carioca com dor no quadril!

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

A sobrenaturalidade do futebol brasileiro

Aqueles que são capazes de ler o que escrevo dificilmente discordarão de mim: o brasileiro é o melhor jogador de futebol do mundo.
Para explicar a afirmativa, não serão discutidos os aspectos sócio-econômicos responsáveis pela formação de um grande estoque de mão-de-obra futebolística em nosso país. Também serão excluídas da discussão questões físicas, táticas e técnicas. Quero explicar o sucesso tupiniquim nos gramados abordando apenas uma única dimensão de nossos jogadores: a mística.
Vivenciamos um forte sincretismo religioso. Somos portadores de tradições antigas. Imaginamos o impossível. Acreditamos no fantástico e, não raro, ele acontece. Nossa sabedoria místico-popular é repleta de reflexões que nos ajudam a compreender as mais diversas situações cotidianas, absurdas ou não. Ademais, possuímos uma cartilha com postulados úteis para solucionar, ou até mesmo evitar, problemas da vida. Exemplos não são escassos: quem nunca atribuiu um período de azar ao “mau-olhado” ou ao gato preto que cruzou o caminho? Quem quer casar não deixa o pobre Santo Antônio de ponta-cabeça? Para ficar rico, nada como semente de romã na carteira? O Brasil é místico.
Essa característica mística que possuímos também está presente na esfera esportiva. O futebol, esporte mais difundido em nosso território, é um dos objetos favoritos da ciência popular. Este é o grande motivo de nossa supremacia dentro das quatro linhas. Nossos conhecimentos sobrenaturais nos dão uma ampla vantagem competitiva em relação aos nossos adversários, meros praticantes do esporte. Explico melhor: enquanto o resto do mundo desenvolve a parte física, aprimora a técnica e treina a tática, nós, brasileiros, não nos diferenciamos. O nosso diferencial está na construção histórica da mística. Isso nos permite nos proteger contra o mal e prever o futuro. Estas duas vantagens já nos colocam em posição relativamente mais favorável. Vamos aos exemplos.

Camisa vence jogo. O amante do futebol se lembrará da “Batalha dos Aflitos”, partida épica entre Grêmio, de Porto Alegre, e Náutico, do Recife. Válido pela série B do campeonato brasileiro, o jogo entre estas duas equipes decidiria quem ascenderia à primeira divisão nacional. Durante a partida, o Grêmio teve quatro (isso mesmo!) jogadores expulsos. O Náutico ainda perdeu dois pênaltis. Davi contra Golias. No final, para êxtase do tricolor gaúcho, o Grêmio venceu por um a zero e ainda levou o título da série B. Como um time com quatro jogadores a menos em campo pode ser superior a um time completo? A mística nos dá uma resposta: o Grêmio é um dos times mais tradicionais do nosso futebol. Sua “camisa pesa”, como diriam alguns. Diante das adversidades, seus jogadores se agigantaram. O Timbu pernambucano sentiu a pressão. Amedrontou-se. Foi a reprodução da “Batalha das Termópilas”. Não importaria o tempo de jogo. Poderia ter durado o dia inteiro, mas com o Grêmio fatalmente vencedor.

Quem não faz, toma. Quantas vezes assistimos ao nosso time do coração perder “gols feitos” durante a partida e, na seqüência, tomar um gol quando menos se espera?

Pênalti que não foi, não entra. Esta máxima do futebol é clássica. Quando o juiz apita uma falta (dentro da área) que não existiu, não devemos ficar preocupados. O destino da bola certamente não é o fundo das redes. Comprovei o postulado neste domingo último, ao assistir ao jogo entre Fluminense e Palmeiras. Em um dado momento da partida, quando o time Alviverde vencia, por um a zero, o time das Laranjeiras, o juiz apita, de forma equivocada, um pênalti para o Flu. De fato, a falta ocorreu, mas fora da área. Com toda a certeza, a torcida palmeirense ficou tensa. Para mim, tensão descabida. Final da partida: Fluminense, zero. Palmeiras, um. E uma exibição de gala do arqueiro palestrino.

Os três pulinhos da sorte. Todo jogador brasileiro tem que dar três pulinhos com o pé direito antes de entrar no gramado. Agindo assim, ele está atraindo sorte para si, sabendo que desempenhará um grande papel durante a partida. Os que não agem desta forma, negam um fato descoberto pelas antigas gerações. É como negar a si próprio. Contudo, mesmo os não-praticantes dos três pulinhos devem possuir algum outro talismã da sorte.

Diante do exposto, surge uma questão devastadora: se somos tão diferentes, por que não somos invencíveis? Por que não ganhamos sempre a Copa do Mundo? A resposta é simples: diante da globalização da modalidade e dos interesses crescentemente financeiros dos nossos jogadores profissionais, nosso lado lúdico, místico e supersticioso está cedendo lugar às ideologias estrangeiras, nas quais não há fantasia. Nossos jogadores deixam o país antes mesmo de consolidarem suas concepções sobrenaturais. O dinheiro desmistifica nosso mundo. Assim, quando não acreditamos que a camisa vence jogo, ela deixa de vencer. Quando não acreditamos nos três pulinhos da sorte, deixamos de contar com ela. Quando não vale mais a máxima do pênalti, a bola começa a entrar. Se deixarmos de acreditar no sobrenatural do futebol, deixaremos de fazer a diferença. Portanto, na ausência das relações não-financeiras, cada vez mais caímos na mesmice dos outros. Não diferentes dos demais, somos passíveis de derrota.

domingo, 5 de agosto de 2007

Imperdível

Poucos sabem, mas é possível ler toda a obra do grande Vinícius de Moraes GRATUITAMENTE em um site (se não estou enganado, criado pela família do poeta) muito intertessante. Assim, sugiro, para o nosso bem, a visita a este endereço:

http://www.viniciusdemoraes.com.br/

Aproveitem! Bom divertimento.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

De você para mim

Ah, que vontade louca de dizer que te amo!
E só aumenta, a cada ano, este meu ânimo,
E amplia tanto... E é isto tudo tão insano,
Que me faz crer que só tu podes ser meu amo!

E assim que sobrevivo cada dia.. grávida!!
Da mais pura agonia... Oh vida crisálida,
Que não me deixa alegria nem fantasia,
Pois meu destino ruma só à terra pálida!

E à tua pátria minha eu jamais iria:
-A honra não troco, nem em poesia
Por uma prole que seja tua e minha!...

Beteto 15/06/2007.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Nós e o “cheiro do ralo”

Fui assistir ao filme brasileiro “Cheiro do Ralo”. Vencedor de prêmios, sucesso de crítica e recomendado por vários amigos, o filme foi exibido, pelo preço de um real, em sessão especial, tarde da noite de uma segunda-feira. O preço simbólico fez a sua parte. A sala ficou cheia.

Pude perceber que todos saíram sorrindo, mas incomodados, no final. O filme é repleto de humor ácido e obscuro. Não quero resenhar. Mas “Cheiro do ralo” é um filme sobre o mau-cheiro. Fez-me refletir sobre alguns aspectos da relação entre o povo brasileiro e a política. Evidentemente, o espectador discordará de mim. Como um livro, cada filme também possui seu próprio destino. O destino que eu dei ao filme pode se resumir em uma única cena − para mim, o ponto forte do drama. Talvez, após assistir diversas vezes, minha opinião mude. No entanto − e sinto enorme desprazer por isso − devo narrar, mesmo que insuficientemente, esta pequena cena.

O personagem principal (Selton Mello) trabalha em uma sala ampla onde, em seus fundos, encontra-se um asqueroso banheiro. Deste lugar, devido a um ralo problemático, um terrível cheiro de merda se prolifera e chega até a sala de trabalho. O personagem não se incomoda com o cheiro. Na verdade, o que o incomoda é o fato de as pessoas pensarem que o mau-cheiro vem dele (e não do ralo do banheiro). Assim, aos clientes que entram em sua sala, ele logo avisa:
“O mau-cheiro que você está sentindo vem o banheiro ali dos fundos. Estou tendo problemas com o ralo...”. Contudo, após ouvir a explicação sobre o mau-cheiro, um dos clientes diz:

“O mau-cheiro vem de você!”.

O protagonista nega. Então o cliente pergunta:

“Existe outra pessoa que utiliza o banheiro além de você?”.

Novamente a resposta é negativa. Por fim, o cliente diz:

“Se você é o único a utilizar o banheiro e ele fede, então o cheiro não vem do ralo. Vem de você”.
Como disse, a cena é extremamente rica. Faz-me refletir sobre nós, brasileiros, e a forma como lidamos com a política.
Quando um presidente da república diz que “não sabe de nada” sobre os escândalos de seus antigos amigos, ministros e assessores, nós entendemos: “o mau-cheiro não vem de mim. Vem deles!”. Quando são descobertos crimes de alguns deputados e senadores que, por sua vez, não são punidos, os demais parlamentares e senadores insistem: “o mau-cheiro não vem da gente. Vem deles!”. Paro e questiono:

Quem escolheu os ministros e assessores?
A resposta: o presidente da república, responsável direto.

Quem tem o dever de cuidar das instituições nacionais, como Congresso e Senado?
A resposta: deputados e senadores, responsáveis diretos.

Quem elege todos eles, presidentes, deputados e senadores? Quem é responsável por fiscaliza, protestar, reivindicar, lutar?
A resposta: nós, os eleitores, responsáveis diretos.
Se ainda assim, conscientes de todos os nossos deveres e direitos democráticos, ainda há mau-cheiro no ralo, então eu digo: o mau-cheiro não vem do ralo. Vem da gente.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Casa dos espelhos

Tudo se confunde
Nos espelhos da casa
A vida se funde
À morte que abraça.

O amor se engrandece
No menor dos espelhos.
O são enlouquece,
O azul é vermelho.

Mentira é verdade.
Vaidade é inútil.
O inteiro é metade,
A beleza é fútil.

Faço-te crer,
De instante em instante,
Que eu sou você
Sem o mesmo semblante.

A noite é dia
E a reta curvou.
Um sábio sentia:
O fim começou.

Espelhos desabam
Em agonia sutil
Suspiros acabam,
A vida ruiu.

(poema de 2002)

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Nota sobre o dia em que ouvi Leonardo Boff

Teria sido desmedidamente mais belo se, em vez deste texto, fosse escrita uma Ode ao mestre Leonardo. Minha intenção, porém, é informar. Desta forma, peço licença aos leitores.

Ontem fui assistir à uma conferência, A Águia e a Galinha - uma metáfora da condição humana, realizada no SESC - Araraquara. O conferencista: Leonardo Boff.
Conhecia Boff de artigos e outras publicações. Teólogo (cristão), sociólogo e ex-frade (Franciscano), ele foi, por mais de uma vez, devido às suas filosofias (principalmente a Teologia da Libertação, com grande influência marxista), silenciado pela Santa Sé (na forma do próprio e atual pontífice). Contudo, somente ontem eu tive o privilégio de ouvi-lo. Pois bem! Isso soará piegas (exatamente a forma como eu quero que soe), mas ele é aquele tipo de figura que enche um ambiente com sua presença. Assim, achei que este fato merecia uma singela homenagem, ainda que as palavras e reflexões do mestre Boff não tivessem me surpreendido.
Longe de ser um profeta das futilidades da auto-ajuda na busca por respostas, Boff procura, em primeiro lugar, elucidar e enfatizar as questões. Nesse sentido, coloca o dedo em algumas feridas abertas, especialmente quando se trata da condição humana, assunto que domina com propriedade. É isso que faz dele algo diferente. Não pelas palavras desta quarta, mas alguém que, com absoluta certeza, deve ser ouvido.

Como disse, meu objetivo era informar. Seguem, portanto, links para um maior conhecimento sobre o tema.

http://www.leonardoboff.com/

http://br.geocities.com/textossobreeducacao/leonardo-boff-1.htm

domingo, 22 de julho de 2007

Link - literatura

Muito interessante! Aqui podemos encontrar alguns textos selecionados de vários autores.
Aproveitem!

http://www.releituras.com/releituras.asp

Links - Música Brasileira

Neste link podem encontrar cd's de música brasileira de qualidade e de difícil acesso.. Muito bom!

http://loronix.blogspot.com/

sábado, 21 de julho de 2007

Saudades de Portugal no Brasil


Fotografia de Belém Neto - Rio Tejo, 2007.


Saudades de Portugal no Brasil

Tudo que me deixa triste
É a distância que existe,
Um oceano todo sem fim,
Que separa você de mim...

Foram só lágrimas minhas
Que formaram essa bacia:
Minha Guanabara...
Que é toda tão rara!

E foi das lágrimas tuas
Que formou-se o rio Tejo:
Onde nadas nua
E onde não há tédio.

Belém Neto 20/07/2007.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

História de amor impossível

Não há amor mais puro
Que o amor destas estátuas.
Olham-se apaixonadamente
E, desde que as conheço,
Elas se amam.
Passaram longos invernos juntas
E sentiram o mesmo frio.
Ao redor, viram árvores
Perdendo folhas e ficaram tristes.
Sentiram um grande pesar
Quando aquela fonte,
Bem no centro do jardim,
Parou de jorrar.
Foram aquecidas pelo mesmo
Bafo quente e, por várias vezes,
Tomaram um mesmo banho,
Quando a chuva do verão chegou.
Ao mesmo tempo, derramaram lágrimas
Enquanto o orvalho da manhã surgia.
Brincaram de se esconder e
Para tal, convidaram a neblina.
Hoje, já se notam os sinais da velhice
E ainda assim, nunca cansaram uma da outra.
Nunca dormiram! Sempre sorriem.
Passaram incontáveis noites,
Iluminadas pela lua cheia,
Com vontade de dançar.
Ah, pobres estátuas!
Uma, de um lado; a outra, do outro.
Um vasto jardim no meio
Mas ainda assim, olham-se apaixonadamente.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Turundumdum aéreo

Nenhum bom cronista perderá a chance de falar do acidente aéreo. Embora eu não seja cronista, muito menos um bom cronista, também não perderei esta oportunidade. Mas minha reflexão não se atem ao acidente em si. O que me espanta é a forma como a imprensa trata o acidente. E como as coisas soam um pouco absurdas..

Antes mesmo da segunda chama se acender, os helicópteros das emissoras de TV já brigavam por uma imagem aterrorizante. Antes mesmo dos helicópteros se encaminharem ao local do acidente, as pessoas que por lá estavam já acionavam seus celulares-câmeras em busca de uma imagem chocante. E as que não estavam por lá, para fotografar e ver o horror, invejavam as que tiveram este “privilégio”.


A vida está tão sem graça assim para precisarmos nos divertir com a desgraça? A imprensa só busca relatar tragédias porque é o que dá ibope, pois é o que o povo quer. Somos, então, um bando de hipócritas por falarmos que queremos paz, que desejamos o bem ao próximo, ou qualquer coisa do tipo, enquanto o que procuramos mesmo são imagens de guerra, filmes de guerra, notícias de terrorismo, notícias de tragédias...


A questão aérea também merece umas palavras. Parece haver algumas coisas erradas. Primeiro, a pista estava em reforma para tornar-se menos escorregadia, porém os pilotos continuam reclamando dos escorregões.. Ao que tudo indica, o airbus já apresentara dificuldades para frear, mas o manual diz que, mesmo depois de apresentada tal falha, o avião pode permanecer em atividade por dez dias!! Que loucura é esta? Se um carro de Fórmula 1 está sem freio, pode continuar em atividade? Se sua bicicleta está sem freio, você continua correndo!? Parece um pouco insano, absurdo! O manual do avião deve dizer: “Pode continuar em atividade por dez dias e, se não matar ninguém, deve ser consertado.”


Isso tudo pode parecer normal, mas não é nada normal, é um grande absurdo! Mas, atualmente, o absurdo se tornou normal; este é um grande problema da humanidade: encarar com normalidade o absurdo. E nesta onda, brincar com números tornou-se uma diversão. Os jornais noticiaram “O Maior Acidente Aéreo Da História Da Aviação Brasileira” com o mesmo gosto, o mesmo sabor, o mesmo clima, no mesmo sentido que se noticia que o Thiago Pereira bateu hoje o recorde do Xuxa, e se tornou o brasileiro com melhor desempenho em um pan-americano. C'est-à-dire, noticia-se um recorde! Qual será o próximo? Que o Brasil lute para bater mais um recorde na aviação! Qual o maior acidente aéreo no mundo? Esta é agora a nossa meta! Ou da imprensa brasileira.. Vamos superar todos os limites, independente de qual seja a implicação disso.


E assim é a nossa sociedade de números e espetáculo. Brincamos com números e esquecemos que por detrás existe vida. Como exemplos, temos o desemprego, a fome, a miséria, as mortes no trânsito, as crianças desnutridas, as crianças sem escola.. Para os policy-makers e para a imprensa não passa de número o que antes foi uma vida.


quarta-feira, 18 de julho de 2007

Corte de cabelo

Podíamos considerá-lo, do ponto de vista artístico, um garoto normal, figura cujo tipo foi extensamente diagnosticado pela literatura. Nestes casos, talvez por dó, a arte pode conceder vidas fantásticas a estes personagens comuns, condimentando a história para torná-la comestível. Infelizmente, para Jorginho, foi isso o que aconteceu.

Era criado em rígido regime militar da fé. Seu pai, tenente-coronel das forças armadas, exigia a disciplina que, como fazia questão de deixar claro – mas em linguagem de guerra –, era necessária para enfrentar uma vida repleta de inesperadas vicissitudes. Sua mãe, uma beata inveterada, não abria mão do ensino cristão. Obrigava Jorginho a freqüentar escola de padre, lugar onde se aprendia a sentir culpa. De lá, o garoto saía apenas aos fins de semana para rever a família.

Naquela época, Jorginho tinha dezesseis anos de idade. Acatava todos os desejos dos pais, sempre muito feliz. Exceto por um: cortar cabelo. Desde criança, o garoto nunca suportara a idéia de ter o cabelo cortado. Ele mesmo não sabia bem o porquê, mas se sentia, ou imaginava sentir-se, estuprado. Odiava mortalmente o seu cabelo. Depois, arrependia-se e, de noite, pedia perdão a Deus. No final de cada reza, bem baixinho, como se fosse as letras miúdas dos contratos comerciais, pedia também que o cabelo parasse de crescer. Daria a vida por isso! Mesmo assim, obrigado pelo pai, passava as manhãs de sábado na sufocante masmorra de Seu Dito.

Conhecer o seu algoz deixava Jorginho ainda mais contrariado. O velho barbeiro era pessoa de bem, impossível de se querer mal. Pai de quatro filhos e uma filha, Seu Dito alimentava sua família conhecendo um único corte de cabelo, o militar. E há doze anos, Jorginho sofria em suas mãos. Contudo, naquele sábado, o garoto sentiu um calafrio de alívio quando ouvia seu pai, ao telefone, dizer que o velório de Seu Dito seria à tarde – o velho não resistira à idade. Calado, o garoto chorou. Todos se comoveram com a cena. Nunca mais teria o cabelo cortado por Seu Dito. Só isso importava e, como ele próprio imaginava, era fato mais que suficiente para esboçar, em qualquer pessoa minimamente decente, aquela alegria chorosa.

De fato, não houve corte de cabelo naquele fatídico sábado. Jorginho não conseguia disfarçar seu bom humor. Durante a semana, ninguém da escola de padres o reconheceu. Sentia-se Sansão revigorado. Fora possuído por força hercúlea. Ele, Jorginho, ganhara sua carta de alforria. Entretanto, sua felicidade durou até momentos antes da missa de sétimo dia do finado barbeiro, quando encontrou sua suposta Dalila.

Naquele sábado de manhã, ainda intoxicado pela felicidade, o garoto foi incapaz de perceber que seu pai já arranjara tudo. Pontualmente, às oito horas e quarenta e cinco minutos, Jorginho se encontrava na frente da antiga barbearia. Eram muitos fatos para um jovem assimilar em pouco tempo. Estava perplexo, estarrecido! Telma, a filha do meio de Seu Dito, assumira o posto do pai. Jorginho entrou em desespero. Empalideceu instantaneamente. Pensou que, se tudo ocorresse da pior forma possível, Telma viveria, pelo menos, por mais quarenta e dois anos e ele não iria agüentar esse sofrimento por tanto tempo.

Na verdade, não houve necessidade de agüentar sofrimento algum. Esses pensamentos terminaram no instante em que Telma, a fim de realizar o serviço, começava a preparar o garoto com capa protetora e borrifada de água no cabelo. É tarefa árdua, porque longa, descrever o que Jorginho sentiu naquele momento. Pode-se resumi-lo, no entanto, de modo superficial: um turbilhão de sentimentos confusos e novos. A causa era óbvia: aquela era sua primeira vez com mulher. Não importava quem era Telma, como era Telma ou se era Telma. Estava extasiado com o novo barulho que a tesoura fazia. Ela e a mulher trabalhavam graciosamente. E a cada esbarrão da cabeleireira, o garoto tremia. Nem se lembrava mais do maldito cabelo e esquecera-se completamente da antiga tortura de tê-lo cortado. Definitivamente, a filha do finado barbeiro mudara a vida de Jorginho.

Nos sábados seguintes, devido à ansiedade, o garoto passou a acordar mais cedo. Já na barbearia, ele pedia à cabeleireira para não usar a máquina. A tesoura prolongaria o seu prazer e, se tivesse sorte, poderia até ser acidentalmente cortado − como foi, de fato, duas ou três vezes, causando-lhe reações parecidas com um orgasmo.

Em três meses, já era visível a dependência, quase química, que acometia Jorginho. Se seu pai não o repreendesse com razão, o garoto cortaria cabelo duas vezes na semana, voltando da escola só para isso. Ele estava obcecado pelo momento. Não! Era paixão. Podia ser Telma ou qualquer outra. Mas seu cabelo tinha que ser cortado por uma mulher.

Assim, desde que Seu Dito morrera, Jorginho vivia a melhor fase de sua vida. Só não contava com os caprichos da arte, que é divina. Demorou um pouco, mas Deus ouvira suas preces de antigamente. Agora podia ser um pouco tarde, talvez até descontextualizado. O fato é que, repentinamente, a saúde de Jorginho se foi. Os médicos descobriram que ele era vítima de uma doença terrível. Ainda bem que, para a satisfação de todos, havia cura. O tratamento seria longo e penoso, como os médicos enfatizaram. Reações colaterais e queda de cabelo ocorreriam inevitavelmente, embora levassem a um final feliz. Em oito meses, o paciente estaria recuperado, firme, forte e com cabelo. Neste ponto da conversa com os doutores, Jorginho não queria ouvir mais palavra alguma. Levantou-se e pediu ao pai para ir embora.

Em casa, abalado pela triste notícia, o garoto precisou de cinco minutos para pensar − nada de disciplina ou fé. Lembrou onde seu pai guardava o revólver, dirigiu-se até o lugar, uniu arma e munição e deu fim à sua vida. Jorge Albuquerque de Oliveira suicidara-se. Suportaria a morte inexorável de uma doença fatal, mas era impossível resistir aos infindáveis longos meses sem ter cabelo para cortar. Morreu com a certeza de que este era um motivo pelo qual valia a pena dar a vida.

domingo, 15 de julho de 2007

Links - Ansel Adams

http://www.anseladams.com/

http://masters-of-photography.com/A/adams/adams.html

Haikai - pt.2

Caso extraconjugal
Álbum de família aumentado
Nasce outro Haikai

Haikai - pt.1

Contrações e dores
Quanto orgulho! É um menino!
Meu primeiro Haikai

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Parábolas da vida e da liberdade

Caros leitores, sabemos que a tentativa de compreender o mundo, de compreender cada época, é recorrente na história humana. E, para esta tarefa, me parece que a literatura, principalmente através da prosa, tem sido bastante útil. As grandes parábolas servem a este papel tão bem quanto nada servira até sua invenção.


Para não irmos muito longe, comecemos por apresentar o Robinson de Defoe: homem ativo, branco, burguês e racional. Eu sei que vocês, leitores, já o conheciam.. Ele é o ideal que a mídia prega, que os politicamente corretos pregam, que a Igreja prega, ele é o famoso empreendedor, o homem que pode “melhorar” o mundo. E não podemos esquecer, meus caros, que é ele quem purifica os homens de cor, subdesenvolvidos, através do trabalho, obviamente!


Passemos ao próximo: Gulliver, de Swift, um ser errante que “passeia” por mundos bizarros, onde os espelhos satíricos, diante da modernização capitalista, refletem a imagem das “virtudes” do homem burguês. Entendamos então Gulliver como a primeira utopia negativa. Dele se seguiu “A Máquina do Tempo”, no qual o conteúdo gira em torno da oposição de classes. Em seguida, como conseqüência das transformações no mundo, ou seja, as guerras, as ditaduras, e as crises, o conteúdo passa a girar em torno de um sistema totalitário. Fazem parte deste contexto as parábolas absurdas de Kafka, “Adimirável mundo novo” de Aldous Huxley, e principalmente “A Revolução dos Bichos” e “1984” de George Orwell.


Aqueles de leitura menos atenta, e aqueles que não percebem o que vivem, acabam resumindo Orwell ao “vigilante da democracia” ou àquele que repudia o “totalitarismo” e demonstra o quanto o capitalismo é mais justo, mais democrático e propulsor da liberdade.. Ledo engano meus caros e já escassos leitores.


Tais democratas não percebem que o mundo de Orwell é, hoje, mais do que nunca, o mundo em que vivemos. A utopia negativa é a nossa realidade. O Ocidente democrático é o centro desse totalitarismo.


O trabalho, enquanto valor, se arraigou por toda a sociedade, e o desejo irracional pelo trabalho dominou o homem, nos transformou em máquinas de produzir, nos embruteceu, nos roubou a capacidade de sonhar, desejar e criar. O que construímos foi um sistema de coerção muito mais cruel e eficiente que qualquer totalitarismo antes visto e vivido. É mais eficiente por ser mais totalitário, e mais cruel porque faz o indivíduo crer que ama o que faz. Quero dizer: os sentidos das coisas se inverteram. Fazemos uma coisa pensando estar fazendo outra: escravidão é liberdade; guerra é paz; morrer é viver; odiar é amar.


Em nome da paz fazemos as guerras. Em busca da liberdade nos escravizamos, doamos a alma a uma entidade que nem alma tem. Nossas vontades não são mais nossas, ou só são enquanto meios para o contínuo proseguimento da vida que não é vida.


O que vivemos hoje é uma sociedade que busca insensantemente sua auto-destruição. Seja pela paz, quer dizer, através da guerra; seja pela vida, quer dizer, através do suicídio; seja pelo bem-estar, quer dizer, destruir a natureza; seja pelo viver, quer dizer, trabalhar à exaustão. A fazenda de Orwell é o nosso mundo, porém muito mais complexo, onde quem manda não é definido (nem o fazendeiro Jones e nem o porco Napoleão), é na verdade uma rede complexa de poderes e órgãos executivos que agem caoticamente, porém eficientemente, em busca de um único fim: o fim da humanidade. C´est-a-dire, um mar sem praia, um rio sem água, uma floresta sem verde, uma cidade sem movimento e um deserto sem areia. A Terra como um grande cemitério e, embora cheio de mercadorias, sem consumidores.


Como já dizia Arendt, “A era moderna trouxe consigo a glorificação teórica do trabalho, e resultou na transformação efetiva de toda a sociedade em uma sociedade operária. Assim, a realização do desejo, como sucede nos contos de fadas, chega num instante em que só pode ser contraproducente. A sociedade que está para ser libertada dos grilhões do trabalho é uma sociedade de trabalhadores, uma sociedade que já não conhece aquelas outras atividades superiores e mais importantes em benefício das quais valeria a pena conquistar essa liberdade.”


Sendo assim, meus leitores fantasmas, sinto prever que só nos resta morrer, já que voltar a viver se tornou tão impossível, dado que não se pode mais sonhar, ou mesmo nem mais se sabe como sonhar..

A canção dos desabafos

Cansei de amar e recitar paixões,
Viverei na clausura de meu ser,
Trancafiado e preso a grilhões,
Esperando a vida anoitecer,
Mas a noite é festa, alegria,
Odeio-me por não merecer
Desfrutar do amor que um dia
Fez-se em mim todo crescente.
E em mentiras o amor crescia
E em verdade ele era ausente.
Já desisti de chegar à vitória
Tornei-me todo descrente,
Sem mérito ou glória,
Sem piedade da vida,
Dura vida simplória,
A qual sinto partida.

(Poema de 2002)

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Sinfonia em preto e branco


Rose and Driftwood, San Francisco, California. Fotografia: Ansel Adams.


Instantes após o século XIX dar a sua cambalhota nasceu um garotinho. Atento a tudo ao seu redor, instigado pelas lentes amadoras de seu pai astrônomo, tornar-se-ia, um dia, um fotógrafo. O que poderia metamorfosear-se em frustração, afinal abdicara-se de sua grande paixão, a música e o piano, o fez mágico.


Cada raio de luz que penetrou sua lente engendrou, em suas películas, imagens raras, e de uma “finesse” – do francês, e não do inglês, o mesmo que sutileza, delicadeza, sagacidade – nunca antes vista. Deixou um legado para todo o rol de imagens em P&B que nos deparamos até os dias de hoje.


A peculiaridade desse fotógrafo é que fez, de cada imagem, música!! Cada tom de cinza é uma nota musical, e assim como as notas são indiscerníveis para muitos ouvidos, seus tons também o são para muitas retinas.


O ritmo está na queda d´água, no rio, no céu, na própria água e na textura de cada imagem. Já temos a melodia, e a harmonia fica por conta de cada observador que, conforme navega com seu olhar pela imagem, lobriga os sons e conseqüentemente cria harmonias e melodias.. É uma música improvisada pelo espectador.


Isso não é mero acaso, afinal esse “fotógrafo” criou uma forma de compreender a luz em notação, assim como os sons foram compreendidos em partituras. Por este motivo que Ansel não foi um fotógrafo, mas sempre um músico. Só trocou de instrumento: o piano pela câmera. E o som pela luz. Porém suas imagens não são para se ver, e sim para se ouvir.


Só mesmo um grande mágico para tirar sons da luminosidade! Que toque a música fotógrafo-mágico-maestro!


Como queria falar espanhol!


Se a mim fosse imposto
O pesado fardo de escolher
Uma das irmãs do sul a desposar,
Decerto, a que canta sua beleza
E somente a cada quatro anos
Reúne-se com seus filhos
Não seria a mãe dos meus!

Engana-se o precipitado
Desprezo, nunca o tive
Nem sou Judas a trair.
Em verdade vos digo:
Sinto-me a ser beijado
Pela mais bela camélia
Que uma vida de silêncio
Pode pagar.

Em Sua vontade
Não a hei de questionar
Quis Nosso Senhor presentear-me
Com a letárgica paixão
Sem esquecer de castigar-me
Com a maldita consciência
Para que lembrar eu possa,
Até que a morte nos separe
De que amo a que não tenho
E deito-me
Com quem não amo.


Sofro ao som do tango.

Prelúdios

Exatamente prelúdios, no plural.

Em primeiro lugar, este locus virtual que se inicia hoje é um único prelúdio para diferentes e desconhecidas canções. Todas ainda verdes.

Em segundo lugar, este pequeno texto também é um prelúdio. Anuncia: "óperas de quarta a domingo".

Por fim, não espere dos autores um grande concerto. Eles próprios são um triste prelúdio para um espetáculo inacabado... Mas em tom maior!

Seja bem-vindo!

Arautos da má notícia