domingo, 11 de novembro de 2007

Saudade à brasileira

Muito se fala sobre a dificuldade de traduzir a palavra saudade. Não tenho dúvida nenhuma que ela traz consigo um sentido de difícil compreensão para povos que não falam a língua portuguesa. A dimensão da palavra saudade na língua portuguesa é gigante.

Porém, o que acabo de dizer não é nada novo. O que acrescento é que é novo: a palavra saudade, para nós brasileiros, tem um significado diferente, que vai além de sua acepção e significado para os portugueses. Sim, os portugueses vão me odiar por isto.

Acho que nós compreendemos mais o significado dela para eles que o inverso. Exatamente porque a saudade brasileira é uma coisa paradoxal por se relacionar fortemente e alegremente com o futuro! E para eles, jamais!

A origem dessa palavra é quase tão incerta quanto a do universo. Entretanto, seu significado parece estar fortemente associado às navegações portuguesas, aos descobrimentos. A palavra descreve o sentimento das mulheres portuguesas deixadas em terra por seus maridos que saíam a velejar em busca do desconhecido, assim como o sentimento dos navegadores que se viam longe de seus entes queridos e envolto de um mar sem fim. Era uma saudade relacionada à incerteza, à solidão, ao desejo de rever e de possuir novamente, uma lembrança nostálgica e carinhosa.

Com o passar dos anos e as sucessivas crises enfrentadas por Portugal tal palavra passa a descrever, além daquele, mais um sentimento: algo carregado de pessimismo, um sentimento de que o tempo bom ficara no passado e jamais voltará. Sentimento este que vigora ainda hoje em tudo que relaciona os portugueses.. Extremamente saudosistas e pessimistas, vivem o presente para lembrar do passado, e jamais para construir um futuro. Talvez, jamais seja um pouco forte....

No Brasil, nós temos este sentimento também, nós o compreendemos, mas nós não o acatamos completamente. Nossa saudade é paradoxal porque, junto a este sentimento, temos sempre o sentimento ou a expectativa de um futuro melhor, de que novas coisas virão, uma expectativa alegre e otimista em relação ao futuro. Está aqui a grande diferença: os brasileiros são otimistas, os portugueses não. Daí a diferença no sentimento de saudade.

O mais importante não é a diferença, mas suas conseqüências, e é onde quero chegar. A nossa saudade ajudou a criar a bossa-nova, que é antes de tudo uma música alegre que pulsa no ritmo do coração, assim como o jazz. Enquanto a saudade portuguesa ajudou a criar o fado, que é uma das músicas mais tristes que já tive notícia. Aliás, o fado é pobre também por conta da saudade portuguesa ser muito mais bem definida, ou seja, não carregar consigo o paradoxo que a nossa carrega. Enquanto a bossa é rica também por conta da saudade brasileira ser dúbia, paradoxal, mais rica de sentidos. Saudade no Brasil é tristeza misturada com alegria, é tristeza à espera de alegria, é solidão que vislumbra o reencontro, é o coração apertado que carrega uma alma radiante.

E assim as duas almas, portuguesa e brasileira, se diferem. E é exatamente por serem duas almas distintas que falam línguas também distintas, apesar de parecerem a mesma. Todavia não são a mesma, e jamais serão. É justamente a diferença entre as almas que explica o fato de se expressarem de maneiras completamente diferentes. Na música, por exemplo, o fado é, muito provavelmente, a maior expressão da alma portuguesa. Enquanto a bossa é a maior expressão da alma brasileira. E é esta pequena comparação que nos mostra qual alma é gigante... Podem até argumentar que o gigantismo da alma portuguesa está na literatura, mas como é a música a arte suprema, a comparação deve ser feita na esfera musical.

Por fim, não existiria fado sem as navegações e sem a saudade portuguesa, assim como não existiria a bossa nova sem a saudade brasileira e sem o Rio de Janeiro, este que também não seria o mesmo sem as navegações..

E o que nos resta? A música, a boa e velha Felicidade que tudo nos ilustra: o ritmo é alegre, o nome é feliz, e a letra é.. Bem, o primeiro verso diz tudo: "tristeza não tem fim/ felicidade sim".

Que coisa mais ambígua, não? Mas "isso é bossa nova e isso é muito natural". Isso é o Brasil.

Por Belém Neto e JJ

Um comentário:

Anônimo disse...

Saudade...
eu tenho.