sábado, 22 de agosto de 2009

Preguiça

Ontem fez frio. Quando, encerrando a jornada do dia para longe dos compromissos e obrigações, botei o pé para fora do ônibus, senti uma baforada de ar úmido que me fez bater os dentes. Enfiei as mãos nos bolsos já arreganhados da minha blusa de lã lilás e andei cinco penosos quarteirões de vento até chegar ao meu apartamento.
Apesar de fria, ainda assim era uma sexta feira, e me questionei se não deveria providenciar para logo estar bem longe dali. Para dizer a verdade, e sem ter o menor medo de me passar por brega (ou melhor, enfrentando todo o meu medo de me passar por brega), seria deprimente outra sexta feira naquele apartamento que mais parece um recorte isolado de tudo. Naquele apartamento - em que eu já tanto fiquei sozinha, na época (nem tão distante assim) em que raramente fazia o esforço de recorrer ao telefone para que as pessoas se lembrassem de mim. Ficar só às vezes é uma questão de pura preguiça. Preguiça de sair de casa, que seja, preguiça de expor-se, e expor-se também ao erro - nesse aspecto a nudez do corpo seria o de menos.
Enfim, fato é que ontem qualquer tentativa de fugir de mim parecia estar tão preguiçosa quanto eu mesma já fui, ou talvez ainda seja. Encontros entre amigos são sempre bons e esse foi o dia dos desencontros - cada um queria uma coisa, cada um no seu lugar. Por fim, conformei-me, pensei nas despesas de fim de mês e constatei que tinha também preguiça de passar dez dias na pindaíba para compensar a balada de sexta feira.
Fiz o que, de costume, seria mais a minha cara. Enfiei-me nos cobertores. Antes tinha pensado em ver um filme. Pena que nenhum dos DVDs da pilha que tenho em casa não conseguiram me fazer sentir menos preguiçosa, ou pelo menos despertaram-me da vontade de assisti-los. A solução foi continuar a leitura de um livrico de bolso que comprei na semana passada.
Eu, o livrico, os cobertores e a minha preguiça. Penso se faria alguma diferença, o que mudaria, se naquele minuto me acordasse de todo esse marasmo alguma voz de timbre morno e certa sensualidade, naquela tonalidade de andar de mãos dadas.

(Tonalidade de andar de mãos dadas:

A minha preguiça me impede de soltar um suspiro.)

Como?

...

E vou ciscando palavra aqui palavra ali no livro que está solto no meu colo. Não estou tão interessada nele assim, na verdade. Só mais uma história de casal. Uma história de um casal confuso. Estivessem os dois sob o meu cobertor, acho que continuariam tão preguiçosos quanto eu. A identidade de um não é a do outro.

E quando apago meu abajour penso que talvez solidão não seja apenas uma questão de preguiça sentimental. Ou ainda que a preguiça sentimental não vive só no meu apartamento só, em uma gelada sexta feira a noite.




[PS: Para os curiosos, o livro é "A Identidade" - Milan Kundera...]

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