domingo, 27 de janeiro de 2008

Autentecidade (?)

Essa criança é extrovertida, sentimental e intuitiva! Daí, no meio de um monte de loucas constatações (talvez nem tão confiáveis assim), diz -se que gente dessa laia costuma gostar de escrever.
Bingo! Eu gosto de escrever.
Gosto, desde muito criança. Preferia inventar histórias sem pé nem cabeça, que contava para mim mesma, a ter com qualquer coisa de sol e suor, como costumam as brincadeiras infantis. Isso é fato, não nada digno de drama. E como tal aponta o óbvio: quem muito imagina não o faz enquanto joga bola com a molecada, sobe em cima de árvores, ou estora os joelhos para frear um carrinho de rolimã.
E vai ver que é por isso que desde aí eu já poderia me enfiar em um refrão dos Beatles, com direito a depressivos cellos e a voz de moleque do Paul daqueles tempos. Ah, look at all the lonely people!
Me expliquem, então, por que, afinal o rótulo “extrovertida”?
Não, tenho de ser sincera. Acho mesmo que preservei a mania de imaginar, só que aprendi que não se pode gozar dessa loucura de pensar possibilidades impossíveis (porque existentes apenas em caracteres!) sem que se caia em uma outra forma de imaginação, muito mais letal. Já falaram na tal imaginação sociológica, e eu diria que não é a ela que me refiro (deixemos a contemplação estudiosa a quem tem paciência para estudar – porque eu não tenho, para mim ou se sonha ou se vive, e eu acho mesmo é que vivo sonhando). Na verdade, estou falando da imaginação sociopática – e me dou a licença de usar essa palavra do jeito que quiser, porque este texto é meu!
Pois bem, saibam que para mim, nós, seres sociais, somos todos sociopatas! Primeiramente, porque ser nessa loucura que chamam de convívio social já é em si só uma espécie de patologia – que as inteligentíssimas amebas, muito mais evoluídas em sua simplicidade, conseguem garantir com a sua reprodução por cissiparidade. Nós, seres humanos, simplesmente para espalharmos a nhaca (faço questão de não usar “aspas” para coroar essa palavra!) contida em nossos genes, temos lá de nos atracarmos uns aos outros – o que não é ruim, mas, convenhamos, não existisse, também não sentiríamos sua falta (ninfomaníacos, desculpem-me...).
Voltando (antes que me perca em outra digressão, muito provavelmente inútil): nossa sociopatia é aquela coisa, mesmo muito ridícula, de sermos não sendo. Lispector me entenderia, e só para imitá-la (porque é isso que fazem os medíocres, imitam!), eu diria que nem mil tempestades tocadas em um trágico noturno ao piano poderiam por fim a esse vazio. (Mui piegas, não?)
Queres entender? Então, responde, rápido! Rápido.
Quando foi a última vez em que mentiste?
Eu te digo que foi agora, agorinha mesmo, enquanto pensavas que nada há de mal nisso, porque todos mentimos. Mentiste a ti mesmo por não chamar-te na própria consciência de mentiroso, que és. Vês? Estás sendo na imagem que te fazes de ti (inocente!), sem que de fato sejas (és culpado!).
E assim é a sociopatia. É a apatia de achar natural dizer gostar de um amargo copo de cerveja enquanto se prefere algo bestamente infantil e ridículo: como algodão doce, por exemplo. Lembrei-me agora do grande blasé (e às vezes um pouco chato) Renato Russo. Mas você só quer algodão doce, ele reclamou. E quem é que não quer, meu brasiliense falecidamente frustrado?
Eu confesso.
Tenho a arma na mão, engatilhada contra mim mesma. Adoro açúcar. Lambo os lábios lascivamente quando penso em açúcar. Fosse a minha vida inteira feita de açúcar! Fossem todos os meus dias chumaços coloridos de algodão doce. Que droga!
Cá estou eu a despejar um bom tanto da minha adocicada amargura. Extrovertida, sim? Pois sim, do contrário me trancaria entre as paredes rosa do meu quarto de princesa de lugar nenhum, sonhando minhas historinhas romanticamente bobas de menina ingênua. De fato, eu sou menina ingênua, e não fosse, não me chamaria a mim mesma algo tão delicado quanto uma Pétala.
Não... não...
Minha extroversão me chama à sociopatia. E socialmente me faço forte. Tanto que até acredito. Como era mesmo que pensaria Nietzsche? Humana, demasiado humanamente, tanto finjo a força, que até acredito que a tenho.
Pois olhem para mim. Consigo o que quero, não consigo! Pareço confortável com meu interminável repertório de dizeres sarcásticos?
Pois estou sendo, e esse meu ser é não ser. Não ser como não se pode ser a imagem que se pinta em uma tosca aquarela de péssima qualidade, que vai desbotar!
E nesse quadro, ao lado de um rosto aparentemente forte, está lá, a Pétala. Caidinha, tímida e sensível como uma espécie de felino ferido. E quem é que repara nos detalhes, para ver que o mais natural do quadro é o que se encontra bem naquele cantinho, delicado em tons lilases: cores frias, talvez um pouco tristes.
A sociopatia ensina: se não podes ser feliz, desdenha a felicidade. E eu a mando à merda, com gosto. Ah, eu me faço amarga, não é? Meu medo me faz amarga, não?
Espera... Ouviste bem, eu disse medo, não foi?
Sim... Pois bem, cheguei no miolo da questão. Bem ali, de onde sai o néctar da flor de que um dia já me projetei antes que me caísse em uma pintura triste. Ouço um zum zum de abelhas. Será que vou me irritar com esse barulho?
Não... tão perto, o cheiro doce não permite as asperezas do espírito. Alguma coisa platônica fala pouco mais alto em mim. Baixinho, baixinho, baixinho, estou escutando. E não há que se temer a ausência de outras cores, se o miolo ali é amarelo, e se encontra bem firme em verdes folhas.
De fato, tudo isso um dia apodrecerá. Há de morrer. E aí deixarei de ser não sendo. Simplesmente não serei por não ser, e aí chegará o que de mais coerente pode haver entre as gentes humanas. Ali, bem ali, porém, eu não tenho medo.
Será que voltei para o meu quarto cor de rosa?
Não! Não houve enganou. Extrovertidamente, não estou imaginando, estou relatando (minha vida cara à cara com o mundo – um melodrama em doses homeopáticas de histérica lucidez! – não, não estará nos cinemas!). E quando relato, revivo. A sensação lilás da Pétala caída. E o vermelho firme a emoldurar um rosto altivo. Eu disse que Lispector me entenderia. Talvez também ela se achasse Pétala, e de Pétala se fizesse fria e inacessível, uma estátua de mármore escuro cujo toque de gelo só faz lembrar. Faz lembrar que tem de haver que em ser não se brinca.
O que eu chamo de sociopatia não se pode fazer em estupidez. Ela sabia. Eu, estou aprendendo, e há icontáveis vírgulas entre sujeito e verbo!
Aprendendo a não temer os toques. Dedos ávidos podem despedaçar o pequeno traço de flor que se cai em suspiro. Então que a flor, para ser flor, seja simplesmente. E mostre que em seu lilás há um colorido letal! Morre quem de flor não puder sentir o frescor (e me desculpo pela acidental rima interna de péssimo gosto!). E o que de flor se faz, que se dê a si força (mesmo a que pensa não ter), que é para alertar: o quão trágica é a vida sem perfumes vegetais de leveza, que não são só do aparelho reprodutor, intímo porém externo,dos súditos do reino plantae.
Talvez Pétala, para ser cheia, tenha mesmo de ser vazia.
Mas Pétala é.
Eu sou.
E não há Nietzsche que me possa volver da minha demasiada humanidade.
Acabo de me convencer de que acreditar no que finjo - é a minha salvação: desde que eu saiba que o meu fingimento não se deve fazer por medo, mas por ser fortaleza, o que só em delicadeza se faz autenticidade!

2 comentários:

JJ disse...

Ácido, eu? A chuva é que é!

Em tempo: eu também prefiro chocolate a cerveja. Mas saiba que meu chocolate preferido é o meio-amargo.

Cecil disse...

Olá, adorei teu texto, achei enquato zanzava por aí neste mundaréu.

Para não se dizer que não comentei o comentário anterior, para mim nem cerveja nem chocolate. Vinho.

Só tome cuidado, ao detalhar o sombreamento da arquitetura, não parecer que estás a edificar uma auto-exegese, uma apologia à própria delicadeza, "vou contar esta história para parecer que sou sublime..." (Pessoa). Não estou dizendo que vc o fez, mas é um perigo constante qumado de fato tem-se percepção apurada e bom gosto, pois já conheço este risco. caí no buraco muitas vezes e torci o tornozelo.

esse blog, a propósito, é ótimo.